SUGESTÃO DA SEMANA

Comentário de um especialista convidado a um artigo científico publicado

  • Sugestão da Semana 2020

  • Sugestão da Semana 2021

  • Sugestão da Semana 2022

  • Sugestão da Semana 2024

Por Nuno Clode | Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia e Ginecologia, Hospital CUF Descobertas

 

A associação da endometriose, cuja prevalência ronda os 5% na população de idade fértil, com desfechos maternos adversos não se encontra estabelecida embora haja alguma evidencia que a grávida com esta doença tenha uma prevalência aumentada de diabetes gestacional e parto pré-termo.

Este estudo, que analisou retrospetivamente uma coorte de cerca de 2,4 milhões de gestações, entre 1989-2019, no Canadá, pretendeu esclarecer se havia alguma relação entre endometriose e morbilidade materna grave (MMG) – pré-eclampsia/eclâmpsia, hemorragia pós-parto, tromboembolismo, sépsis, complicações cirúrgicas, complicações cardiovasculares, admissão a cuidados intensivos, etc.. – durante a gestação, parto e pós-parto (até ao 42ºd).

A prevalência de MMG foi maior na população de gravidas com endometriose (46,2/1000 gestações vs 30,7/1000; RR 1,4, 95%CI 1,60-2,07) sendo o risco maior nas grávidas com endometriose activa (RR 1,93, 95% CI 1,76-2,11); na avaliação com outras variáveis maternas, a endometriose mostrou ser uma factor de risco independente para MMG.

Na discussão dos resultados são sugeridas explicações para as observações registadas cujo valor se apoia na extensa amostra apesar das limitações associadas a um estudo retrospectivo e num tão longo intervalo temporal.

Para a prática clinica, a reter deste trabalho a ideia de que a gestante com história de endometriose apresenta um risco maior de desfechos adversos necessitando uma vigilância mais apertada na gravidez, parto e pós parto.

Por Ana Luísa Areia | Serviço de Obstetrícia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra; Universidade de Coimbra • Faculdade de Medicina

 

Os objetivos desta revisão foram examinar os melhores estudos atuais relativamente à eficácia da progesterona vaginal (VP) para prevenir o parto pré-termo (PTB) e melhorar os resultados perinatais em vários subgrupos de mulheres de alto risco; e fornecer recomendações clínicas para estas mulheres. Os dados analisados incluíram ensaios controlados aleatorizados, revisões sistemáticas e meta-análises. De realçar nesta revisão o número elevado de estudos incluídos, os critérios estritos de inclusão e a sugestão de guidelines diferentes das utilizadas atualmente.

A análise minuciosa de toda a literatura existente indica que a VP reduz o risco de PTB e melhora os resultados perinatais em gestações de feto único com colo curto (≤25 mm), com e sem história de PTB espontâneo anterior. A VP parece promissora para reduzir o risco de PTB em gestações gemelares com colo do útero curto (≤25mm) e em gestações de feto único concebidas por reprodução medicamente assistida, sendo, no entanto, necessária mais investigação. Pelo contrário, não há provas convincentes que apoiem a prescrição de VP para prevenir o PTB em gestações de feto único com base unicamente na história de PTB prévio.

Da mesma forma, a evidência científica demonstrou que a VP não impede o PTB nem melhora os resultados perinatais em gestações múltiplas não selecionadas e em gestações de feto único com uma história de PTB espontâneo e um comprimento cervical >25 mm. Ainda, não é recomendada a utilização de VP para prevenir o PTB em gestações multi-fetais de ordem tripla ou superior, gestações de feto único com teste de fibronectina fetal positivo, nem em mulheres com anomalias uterinas congénitas ou leiomiomas uterinos. Em conclusão, os autores indicam que a VP deve apenas ser recomendada em gestações de feto único com colo curto (≤25 mm), independentemente da história de PTB espontâneo.

Por Inês Nunes | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Materno-Infantil do Norte – CMIN, Centro Hospitalar e Universitário do Porto – CHUPorto; Professora Auxiliar Convidada do ICBAS – School of Medicine and Biomedical Sciences, Universidade do Porto, Porto.

 

A variabilidade da frequência cardíaca fetal (FCF) é uma característica importante para a correta interpretação da cardiotocografia (CTG), sendo principalmente determinada pelo sistema nervoso autónomo. De acordo com a evidência atual, a variabilidade aumentada poderá refletir instabilidade autonómica, resultante de uma diminuição da oxigenação fetal.

Neste estudo de coorte prospetivo, decorrido em dois centros, foram incluídas 4394 grávidas de termo, com CTG contínuo até ao parto e com dados de pH da artéria umbilical. Considerou-se os 60 minutos antes do parto e a variabilidade aumentada (superior a 25bpm), com duração mínima de 1 minuto, e avaliou-se a sua associação com acidose neonatal – pH da artéria umbilical <7.10. Desta população, 177 (4%) apresentaram variabilidade aumentada da FCF (duração mediana de 2 minutos; concordância interobservador elevada – Kappa 0.81). A acidose neonatal ocorreu em 6% dos RN (265/4394) – 15.3% em RN com variabilidade aumentada e 5.6% em RN sem variabilidade aumentada (RR 2.70, IC95% 1.82-4.02). Na análise multivariada, a variabilidade aumentada associou-se significativamente a acidose neonatal (aRR 2.30, IC95% 1.53-3.44). Na análise de subgrupos, a associação manteve-se significativa para CTGs de categoria I (62/2119 RN – 2.9% variabilidade aumentada para 6.5% de acidose neonatal, (aRR 5.48, IC95% 1.88-15.96)) e II – NICHD (103/1746 RN – 5.9% variabilidade aumentada para 18.5% de acidose neonatal, (aRR 2.29, IC95% 1.40-3.74).

Aspetos positivos – coorte prospetivo, classificação NICHD e baixa variabilidade inter-observador (padrão de FCF fácil de identificar), análise por subgrupos de padrões de FCF.
Limitações – estudo observacional, duração do padrão de variabilidade aumentada não foi avaliada, exclusão de partos por cesariana.

Ainda assim, este é o primeiro estudo de coorte a avaliar a variabilidade aumentada, tendo encontrado uma associação significativa deste padrão de FCF a um risco duas vezes maior de acidose neonatal.

Por Sofia Bessa Monteiro | Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia – Serviço de Obstetrícia/Centro Hospitalar de S João

 

O parto pré-termo (PPT) é um dos principais problemas de Saúde Pública. Estima-se um risco de recorrência de 30%, sendo que o aconselhamento destas grávidas é feito essencialmente baseado em critérios clínicos como o tipo de parto e idade gestacional (IG).

O exame anatomo-patológico (AP) da placenta é frequentemente realizado após um PPT, não podendo os resultados influenciar o desfecho da gravidez em causa – mas poderão contribuir para um melhor aconselhamento quanto ao risco de recorrência?

Este foi um estudo retrospectivo que incluiu grávidas com 2 ou mais partos, com o caso-índice sendo um parto < 37 semanas com a placenta enviada para exame AP, no período de janeiro 2009 a março 2018, num total de 924 pares de partos. Os achados AP foram divididos em 4 categorias, de acordo com mecanismos patofisiológicos: inflamação aguda (AI), inflamação crónica (CI), má perfusão vascular fetal (FVM) e má-perfusão vascular materna (MVM).

Os resultados revelaram que apenas a CI de alto grau se associava de forma independente ao risco de recorrência de PPT (risco relativo 1.37 com IC 95% 1.03-1.81). Na análise estratificada para IG, a MVM de baixo grau estava associada a recorrência apenas nos casos de PPT precoce ou moderado (< 34 semanas). Nenhuma associação foi encontrada entre risco de PPT e tipo histológico, nos PPT espontâneos.

Apesar de se tratar dum estudo retrospectivo e podendo existir viés na seleção dos casos que foram enviados para AP, este estudo incluiu um grande número de participantes e exames AP feitos por anatomo-patologistas perinatais.

Atualmente não existe uma estratégia única e ideal para prevenção da recorrência de PPT, provavelmente porque existem diferentes etiologias para uma mesma apresentação clínica final. O exame AP da placenta poderá revelar subgrupos que permitam desenhar terapêuticas adaptadas aos diversos mecanismos na origem do complexo parto pré-termo.

Por Susana Santo | Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia e Ginecologia – Serviço de Obstetrícia/ Hospital Santa Maria – CHLN

 

A “cabeça fetal impactada” é uma complicação obstétrica que está associada a morbilidade materna e neonatal significativas. Apesar de a sua definição não ser consensual, todos os obstetras já foram confrontados com uma cesariana em que a cabeça fetal está numa posição baixa e fixa na pelve materna, revelando-se a sua extração muito difícil. Do ponto vista fetal, a “cabeça fetal impactada” pode associar-se à ocorrência de fratura do crânio, hemorragia intracraniana, lesão nervosa, encefalopatia hipóxico-isquémica e raramente a morte; a morbilidade materna inclui as lacerações uterinas, a lesão do trato urinário, a hemorragia pós-parto e eventualmente necessidade de realização de histerectomia.

A “cabeça fetal impactada” pode complicar 5% das cesarianas, sendo mais frequente nas cesarianas realizadas no segundo estadio do trabalho de parto.

Existem diversas técnicas para a resolução desta condição que incluem: tentativa de flexão e elevação do polo cefálico, elevação da cabeça fetal por via vaginal, incisão uterina em T ou em J, extração pélvica reversa, técnica de Patwardhan, utilização de tocólise, entre outras.

O reconhecimento da “cabeça fetal impactada” como uma emergência obstétrica é muito relevante. Primeiro porque a sua identificação não traduz necessariamente uma incapacidade pessoal na extração fetal na cesariana, mas sim a necessidade de pedir ajuda e iniciar um conjunto de manobras com vista à sua resolução.

O facto de ser uma condição imprevisível condiciona que o treino em situações clínicas reais seja improvável e pouco sistematizado.

O estudo publicado valida um novo modelo para treino desta emergência obstétrica, tendo-se revelado realístico, útil para a formação obstétrica e permitindo a distinção entre obstetras mais ou menos experientes. Este modelo é mais uma ferramenta a juntar a todos os outros simuladores que nos dias de hoje permitem o treino individual ou de equipas em emergências obstétricas.

Por Ana Paula Machado | Assistente Hospitalar Graduada em Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar Universitário S. João, Porto

 

A diabetes gestacional (DG) e as doenças hipertensivas da gravidez (DHG) são das complicações mais frequentes da gravidez, ocorrendo em 7% e 10% das gestações, respetivamente. Estudos sugerem que, na população geral, a prática de exercício físico é uma estratégia eficaz na prevenção e tratamento da diabetes mellitus e hipertensão arterial pela redução dos mecanismos inflamatórios que acarreta. No entanto, a evidência científica não é consistente quanto à sua efetividade na evicção destas patologias na gravidez.

O objetivo deste estudo foi avaliar o real impacto de programas de exercício físico sobre a DG e DHG. Para esse efeito foi realizada uma revisão em guarda-chuva de 21 revisões sistemáticas e meta-análises e 54 ensaios randomizados, englobando 10485 grávidas no grupo de intervenção e 11192 no grupo de controlo. Foram efetuadas análises de subgrupo relativamente ao Índice de Massa Corporal (IMC), trimestre de início da intervenção, duração da sessão e supervisão durante o exercício. Verificou-se uma redução significativa da incidência de DG de 39% (OR: 0,61; IC 95% 0,51-0,74), particularmente se intervenção iniciada no primeiro trimestre, supervisionada e de intensidade ligeira-moderada. Relativamente às DHG, a redução da incidência de hipertensão gestacional (HG) foi de 47% (OR: 0,53; IC 95% 0,40-0,71), mais marcada se sessões com duração superior a 45minutos, supervisionadas, iniciadas no primeiro/segundo trimestres e com intensidade ligeira-moderada ou moderada. Quanto à pré-eclâmpsia, o impacto na redução da incidência foi apenas verificado se intervenção iniciada no primeiro trimestre da gravidez. A efetividade do exercício não foi constatada nas situações de IMC elevado previamente à gravidez.

Os autores consideram a possibilidade de retirar recomendações concretas deste artigo, baseadas no impacto do exercício físico na incidência de DG e HG em grávidas sem excesso de peso/obesidade, particularmente relevante em programas iniciados no primeiro trimestre, supervisionados, superiores a 45minutos e de intensidade ligeira-moderada.

Por Cristina Nogueira Silva | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Braga; Professora Associada da Escola de Medicina da Universidade do Minho; Investigadora do ICVS e do Laboratório Associado ICVS/3B’s

 

Este trabalho teve como objetivo responder à controvérsia quanto ao momento ideal para a realização de uma cesariana eletiva (CE) em mulheres com ≥ 2 cesarianas anteriores, avaliando os riscos maternos e neonatais associados com a cesariana em diferentes idades gestacionais de termo, comparativamente com a abordagem expectante.

Trata-se de um estudo retrospetivo (abril/2012 a março/2019), de coorte (n= 26.552), de base populacional (Ontário-Canadá), incluindo todas as mulheres com ≥ 2 cesarianas e gestação unifetal de termo. A coorte foi dividida em 3 grupos, um para cada semana gestacional (37, 38 e 39 semanas) e comparados os desfechos adversos (maternos e neonatais) entre CE e os casos abordados de forma expectante nessa semana.

Não se verificaram diferenças significativas quanto a desfechos adversos maternos composto entre CE às 37 e 38 semanas e o grupo expectante, quando os resultados foram ajustados para potenciais fatores confundidores. Contudo, CE às 39 semanas associou-se a menor risco materno do que o grupo expectante (OR ajustado 0,51; IC 95%: 0,29-0,91). Relativamente aos desfechos neonatais, CE às 37 semanas aumentou significativamente os desfechos adversos (ORa 1,68; IC 95%: 1,39-2,01) comparativamente com a abordagem expectante. Porém, não se verificaram diferenças significativas nos desfechos neonatais se CE às 38 ou 39 semanas, se ajustado para fatores confundidores. O risco de cesariana não planeada (de urgência) foi de 6,5% antes das 38 semanas, 21,7% antes das 39 e 32,6% antes das 40 semanas.

De salientar a dimensão da amostra, o estudo multicêntrico e a realização de ajuste para fatores confundidores como pontos fortes deste trabalho. Como limitação saliento a incapacidade para avaliar desfechos raros, como morte materna ou neonatal.

Portanto, de acordo com os resultados deste estudo, na ausência de indicações para parto mais precoce, nas mulheres com ≥ 2 cesarianas, programar a cesariana para entre as 38+0 e as 38+6 semanas de gestação representa o balanço ideal entre os riscos maternos e neonatais, minimizando a probabilidade de uma cesariana não planeada.

Por Inês Sarmento Gonçalves | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Pedro Hispano; Assistente Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

 

Este artigo aborda um assunto controverso e atual ao pretender avaliar a redução do risco de parto pré-termo (PPT) na gestação gemelar com recurso à ciclorrafia às 18-26 semanas de gestação quando comprimento cervical < 25mm.

É um estudo caso-controlo, retrospetivo (dezembro 2013 a agosto 2021, no Hospital Universitário de Zhejiang, China), que compara 2 grupos de gestações gemelares com comprimento cervical < 25mm (n=90): um grupo de tratamento (n=45) que realizou ciclorrafia (além de antibioterapia e tocólise) e um grupo de controlo (n=45) sob atitude expectante, ajustados para o comprimento cervical medido por ecografia endovaginal ao diagnóstico, idade gestacional ao diagnóstico e idade materna.

O grupo submetido a ciclorrafia apresentou uma idade gestacional no parto significamente superior ao controlo (33.11±3.16 vs 30.22±4.12 semanas), com taxas de PPT espontâneo (<28, <32, <34 e < 36 semanas), desfechos perinatais e neonatais adversos (mortalidade perinatal, cuidados intensivos neonatais) significativamente inferiores. Foi realizada uma subanálise destes desfechos em 2 subgrupos de comprimento cervical: < 15mm e 15-24mm, com ajuste das amostras para idade materna, IMC, FIV, antecedentes de cirurgia cervical, histeroscopia, cesariana anterior, PPT anterior, leucograma e PCR. Houve melhores desfechos perinatais e neonatais nos 2 subgrupos submetidos a ciclorrafia, com redução de PPT < 36 semanas no subgrupo com comprimento cervical 15-24mm e de PPT <32 e <34 semanas no subgrupo com comprimento cervical < 15mm.

Apesar da reduzida amostra e do desenho retrospetivo do estudo foram tidos em conta fatores confundidores e ajustadas as amostras. A idade gestacional ao nascimento foi significamente superior no grupo submetido a ciclorrafia e houve uma redução significativa das taxas de parto pré-termo nos 2 subgrupos com diferentes comprimentos cervicais ecográficos.

É cada vez mais pertinente equacionar-se alternativas para reduzir a taxa de parto pré-termo nas gestações gemelares, cada vez mais prevalentes na atualidade obstétrica.

Por Sofia Franco | Assistente Hospitalar Graduado de Ginecologia-Obstetrícia / Serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

 

Este artigo de opinião tem por objetivo alertar para a necessidade de implementar um programa de rastreio de vasa prévia (VP) no Reino Unido, contrariamente à Guideline atual do RCOG (Green-Top Guideline 27b, de 2018) que não é a favor do mesmo. Atualmente, as recomendações não são consensuais existindo abordagens diferentes consoante o país. Nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália/Nova Zelândia as recomendações são para o rastreio de VP nas situações de maior risco, como seja a placenta baixa/prévia.

Sabemos que num programa de rastreio a maioria dos utentes não terão doença, mas a mesma tem relevância suficiente, como morbimortalidade perinatal, para ser pesquisada. A prevalência de VP parece ser superior à de anomalias congénitas, com programas de rastreio pré-natal já implementados e de indiscutível importância.

Sabe-se que o rastreio pré-natal por ecografia tranvaginal associando estudo Doppler cor demonstrou taxas de deteção superiores a 90% e raros falsos positivos ou negativos, parecendo uma estratégia com pouco custo adicional, quando implementada em simultâneo com a ecografia de rotina do 2.º trimestre. O diagnóstico do local de inserção placentária do cordão umbilical na placenta, adicionando a avaliação Doppler da região supra cervical, permitiria um rastreio universal de VP. Esta metodologia combinada com posterior uso de sonda transvaginal com Doppler cor, nas situações de placenta baixa ou outras situações de alto risco – rastreio dirigido, é custo-efetivo no rastreio pré-natal de VP.

Como forma de evitar iatrogenia e sabendo que o diagnóstico de VP implica parto por cesariana, antes do trabalho de parto ou da rotura de membranas, está recomendada a reavaliação no 3.º trimestre por ecografia tranvaginal, associando estudo Doppler cor.

A possibilidade de planear um parto por cesariana, confirmado o diagnóstico pré-natal de VP, reduz os resultados perinatais adversos, a morte fetal ou neonatal. Este rastreio, adequadamente implementado, faz a diferencia entre a sobrevivência ou a morte.

Por Ana Catarina Massa | Assistente Hospitalar de Ginecologia / Obstetrícia, Hospital CUF Descobertas, Lisboa

 

A cabeça fetal impactada pode complicar até 16% das cesarianas no 2º estadio do trabalho de parto sendo mais frequente após uma tentativa de parto vaginal instrumentado. A cabeça fetal fica fixa ou impactada na pélvis deixando de existir espaço entre os ossos pélvicos, os músculos pélvicos e a cabeça fetal e representa uma emergência obstétrica. Associa-se morbilidade materna e neonatal: extensão da histerotomia, lesão vesical, hemorragia pós parto com necessidade de transfusão sanguínea, baixo Índice de Apgar e admissão nos Cuidados Intensivos Neonatais.

Diversas técnicas foram desenvolvidas para resolver esta condição como a elevação da cabeça fetal por via vaginal, extração pélvica reversa, método de proclive materno, técnica de Patwardhan, o uso de tocolíticos e dispositivos como fetal pillow ou tubo de Tydeman.

Nesta revisão sistemática foram incluídos 16 estudos, representando um total de 3344 mulheres. Treze desses estudos compararam a elevação da cabeça fetal por via vaginal com a extração pélvica reversa demonstrando maior morbildade materna e neonatal para a técnica de elevação da cabeça fetal por via vaginal. Os restantes 3 estudos mostraram resultados similares entre as técnicas de elevação da cabeça fetal por via vaginal e de Patwardhan.

Sendo uma condição difícil de definir, existe uma grande heterogeneidade dos critérios clínicos dos diversos estudos publicados e com amostras reduzidas. No entanto, os autores deste estudo utilizaram critérios rigorosos para a seleção dos estudos incluídos.

Embora ainda esteja por definir qual a melhor técnica para a resolução da cabeça fetal impactada no parto por cesariana e se o uso sequencial dos diversos métodos poderá trazer melhores resultados, esta revisão veio contribuir para o melhor conhecimento desta entidade.

Por Joana Barros | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – Serviço de Obstetrícia/Hospital da Luz – Lisboa

 

O rastreio de restrição de crescimento fetal (RCF) no 3º trimestre da gravidez é fundamental em todas as gestações, incluindo as que não apresentam risco acrescido, sendo a avaliação ecográfica o método mais preciso para este diagnóstico. Em Portugal, de acordo com o Programa Nacional para a Vigilância da Gravidez de baixo Risco (DGS 2015) está preconizada a realização de uma avaliação ecográfica no 3º trimestre, entre as 30 e as 33 semanas de gestação. Contudo, estudos anteriormente publicados mostraram que a acuidade diagnóstica da restrição de crescimento fetal é maior se a avaliação ecográfica for realizada às 36 semanas em vez de 32 semanas de gestação.

O objetivo deste estudo aleatorizado foi comparar a precisão diagnóstica da avaliação ecográfica realizada às 35 – 37 semanas de gestação no diagnóstico de RCF e o impacto da realização de uma avaliação ecográfica às 30-33 semanas versus 30 – 33 e 35 – 37 semanas de gestação nos desfechos perinatais.

Os resultados deste estudo mostraram que o grupo que realizou uma avaliação ecográfica entre as 35 – 37 semanas de gestação obteve uma precisão de diagnóstico de restrição de crescimento fetal de 94% e associou-se a melhores desfechos perinatais. É importante salientar que este estudo incidiu numa população de gestações de baixo risco, sem patologia materna associada, o que torna o diagnóstico de RCF mais preponderante na abordagem destas gestações, que de outra forma manteriam a sua vigilância habitual.

Este estudo vem enfatizar a necessidade de discussão sobre o momento em que deve ser realizada a avaliação ecográfica no 3º trimestre, mostrando que provavelmente será mais proveitoso adiar esta avaliação para as 35 – 37 semanas uma vez que a precisão diagnóstica de RCF é maior, bem como a correlação entre a estimativa de peso fetal e os percentis do peso ao nascer.

Por Iolanda Ferreira | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra/ Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

 

Este estudo analisou a relação custo-eficácia da realização de ecografia do 1º trimestre previamente à pesquisa de aneuploidias por cell-free DNA (cfDNA) em comparação com a pesquisa isolada de cfDNA no 1º trimestre. Foi construído um modelo analítico de decisão para comparar as duas estratégias de rastreio em 400.000 grávidas com idade materna avançada nos EUA. A principal medida de resultado foi a relação custo-eficácia incremental (RCEI) em termos de custo por ano de vida ajustado à qualidade ganho (QALY).

O estudo revelou que realizar ecografia antes de cfDNA foi mais rentável do que a pesquisa isolada de cfDNA, com um ICER de 12.588 USD e um benefício monetário líquido mais elevado (24.241 vs 20.466). Esta estratégia revelou-se inicialmente mais dispendiosa em 544 USD. No entanto, foi também mais eficaz (em 0,04 QALY), resultando numa estratégia globalmente mais rentável.

Este estudo destaca-se por ser o primeiro a avaliar a relação custo-eficácia da ecografia antes do rastreio cfDNA. O modelo analítico de decisão considera múltiplos cenários clínicos e trade-offs, tornando os resultados generalizáveis para a população obstétrica dos EUA. Como pontos fracos destaca-se a provável mudança da relação custo-benefício à medida que o cfDNA se torna menos dispendioso; e a incapacidade do modelo em captar todas as complexidades da prática clínica. As estimativas de risco também utilizaram estudos de populações de alto risco, podendo limitar a generalização dos resultados à população obstétrica geral.
Em conclusão, a ecografia do 1º trimestre previamente a pesquisa de cfDNA é uma estratégia mais rentável para o rastreio não invasivo da aneuploidia pré-natal em comparação com cfDNA isoladamente. Estes resultados podem ser utilizados para informar decisões políticas relacionadas com o rastreio pré-natal assim como fornecer orientações valiosas aos prestadores de cuidados de saúde.

Por Sofia Pina Rodrigues | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia – Serviço de Obstetrícia – Centro Hospitalar Universitário de São João

 

A infeção por Citomegalovírus (CMV) é a infeção congénita mais frequente (0,2-2,2%), sendo a principal causa não genética de surdez neurosensorial (1/3 dos casos). O risco de transmissão vertical do CMV após infeção primária na gravidez é 40%, ocorre através da placenta, replicando-se o vírus no epitélio tubular renal fetal e sendo o DNA viral detetado no líquido amniótico se o feto estiver infetado.

O objetivo deste estudo é comparar a incidência de lesão fetal e sequelas a longo prazo dos recém-nascidos de grávidas com infeção por CMV e resultado da amniocentese positivo versus resultado negativo.

Trata-se de uma metanálise de estudos observacionais (7 estudos, n=767) de grávidas com infeção por CMV (até 12 semanas pré-concepção e durante a gravidez) submetidas a amniocentese, cujos resultados foram reportados, assim como os desfechos dos recém-nascidos. Os desfechos primários foram as taxas de sintomas graves ao nascimento (sintomas neurológicos ou envolvimento multiorgânico) e de perda auditiva neurosensorial grave (SNHL) e/ou comprometimento do neurodesenvolvimento. O desfecho secundário foi a taxa de interrupção médica da gravidez (IMG) consequente a achados patológicos associados a esta infeção, em ecografia ou ressonância magnética.

A taxa combinada de desfechos primários nos casos com resultado de amniocentese negativo foi de 0%, contra 22% de sintomas graves e 14% de SNHL nos casos com resultado positivo. 0% de IMG nos casos de resultado de amniocentese negativo, versus 20% nos casos com resultado positivo. Houve 8% de falsos negativos da amniocentese (recém-nascidos com resultado de amniocentese negativo e resultado na urina positivo). Foi realizada uma análise de subgrupo de infeção primária por CMV com resultados sobreponíveis.

Relativamente à infeção congénita por CMV, um resultado negativo na amniocentese assegura a ausência de lesões fetais e sequelas a longo prazo decorrentes desta infeção, mesmo que a transmissão tenha ocorrido posteriormente.

Por Luísa Pinto | Assistente Hospitalar Graduada Sénior de Obstetrícia e Ginecologia / CHULN

 

O polihidrâmnios (PH) pode resultar de múltiplas causas como malformações fetais, diabetes gestacional ou isoimunização Rh. Contudo, em cerca de 50% dos casos, este achado é idiopático. A associação entre o polihidrâmnios idiopático e desfechos obstétricos adversos tem sido alvo de controvérsia.

Esta revisão sistemática e meta-análise incluiu 12 estudos prospetivos e retrospetivos, num total de 2392 grávidas com PH e 160135 controlos.

O desfecho primário – morte fetal – foi superior no grupo com PH relativamente ao grupo controlo (OR, 7,64 (95% CI 2.5-23.38). Quanto aos desfechos secundários, verficou-se maior risco de morte neonatal (OR, 8,68 (95% CI, 2,91-25,87), de admissão na UCIN (OR, 1,94 (95% CI, 1,45-2,59), de IA ao 5ºmin< 7 (OR 2,21 (95% CI, 1,34-3,62) e de taxa de cesarianas (OR 2,31 (95% CI, 1,79-2,99) no grupo com PH.

Assim, e apesar das suas limitações – inclusão de estudos com amostras de diferentes dimensões e com metodologias distintas, caráter retrospetivo da maioria dos estudos incluídos, diferentes definições de polihidrâmnios, variabilidade inter e intra observador na quantificação do líquido amniótico e não definição da gravidade do PH (ligeiro, moderado ou grave), esta meta-análise põe em causa a recomendação da “Society for Maternal-Fetal Medicine”, que desaconselha uma vigilância pré-natal particular nas grávidas com PH idiopático ligeiro e deve também questionar-nos, até que surjam estudos com evidência mais robusta, sobre a necessidade de uma vigilâcia fetal mais apertada ou da interrupção da gravidez às 39 semanas, nas gestações complicadas por PH idiopático.

Por Alexandra Matias | Professora Catedrática de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; Assistente Graduada de Ginecologia e Obstetrícia e Medicina Fetal

 

Uma em cada quatro gestações termina em perda gestacional precoce. Metade das perdas gestacionais são causadas por aneuploidia fetal, mas a avaliação genética da perda gestacional não é realizada por rotina. A hibridização genómica comparativa por microarray (aCGH) do tecido da gravidez pode explicar a perda recorrente da gravidez, mas há dificuldade em recolher tecido gestacional, risco de contaminação com DNA materno e mosaicismo.

O DNA fetal livre de células (cffDNA) do sangue materno, com origem no trofoblasto fetal, tem potencial para avaliação não invasiva do estado de ploidia fetal, dado que a eliminação do cffDNA do sangue materno é mais lenta nos casos de perda gestacional.

Trata-se de um estudo prospetivo de coorte de 18 meses em que grávidas com perda gestacional das 5 às 22 semanas foram recrutadas pelo estudo Copenhagen Pregnancy Loss (COPL). O sangue materno foi colhido enquanto o tecido da gravidez ainda estava in situ até 24 horas, e foi analisado por cffDNA. A sequenciação direta do tecido da gravidez foi feita simultaneamente como referência.

Foram incluídas 1.000 mulheres consecutivas com perda gestacional. As primeiras 333 mulheres com perda gestacional serviram para avaliar a validade do teste. Os resultados das outras 667 mulheres foram incluídos para avaliar o desempenho do cffDNA. A sensibilidade do cffDNA na deteção de aneuploidia foi de 85% e a especificidade de 93%, em comparação com a sequenciação direta do tecido da gravidez: 45% euploides, 41% aneuploidias, 4% aneuploidias múltiplas e 11% inconclusivas.

O cffDNA mostra potencial e viabilidade para distinguir a perda da gravidez euplóide e aneuplóide, e melhorar a orientação clínica da futura gravidez.

As principais limitações são a janela de tempo estreita para amostragem de sangue para cffDNA e taxas mais altas de no call (50%) em amostras de sangue colhidas após o abortamento antes das 7 semanas.

Por Ana Isabel Machado | Assistente Hospitalar Graduada| Serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar Lisboa Central

 

A morte fetal in útero (MFU) após as 20 semanas encontra-se aumentada nas grávidas com diabetes (4- 5 vezes superior ao da população geral) e está relacionada com a hiperglicemia materna, que pode levar a anomalias congénitas, insuficiência placentária e hipoxia fetal.

Os autores neste estudo retrospetivo que incluiu 834631 grávidas, avaliaram o risco de a gravidez terminar em MFU em situações com diabetes prévia e gestacional entre as 34 e as 39 semanas; as gravidezes foram estratificadas de acordo com o peso ao nascer, classificado de acordo com a idade gestacional em leve, adequado ou grande. O RR e o IC para MFU foram calculados para cada semana de gravidez tendo como grupo controlo o com peso ao nascer adequado para idade gestacional.

As taxas de MFU aumentam com o avanço da idade gestacional para as grávidas com diabetes independentemente do peso ao nascer; contudo, comparando com as gestações com peso adequado no parto, os fetos leves e grandes para a idade apresentaram um aumento de risco significativo de MFU em qualquer idade gestacional.

Limitações: na variável diabetes prévia não distingue entre Diabetes tipo 1 e 2 e, nos casos de diabetes gestacional, o tipo de terapêutica realizada.

Em conclusão, este estudo sugere que o crescimento fetal patológico (restrição do crescimento fetal ou macrossomia) nas gestações complicadas por diabetes prévia ou gestacional é um fator de risco para MFU, particularmente nas situações de diabetes pré-gestacional e de fetos leves para a idade gestacional entre as 37 e as 38 semanas de gestação.

Estes resultados oferecem orientações adicionais para os profissionais de saúde sobre a frequência de vigilância, realização de exames complementares pré-natais e “timing” do parto nas gravidezes complicadas por diabetes, estratificada por peso ao nascer.

Por Inês Monteiro Rato | Assistente Hospitalar de Ginecologia-Obstetrícia / Hospital CUF Torres Vedras

 

Estima-se que a Pré-eclâmpsia (PE) afete 2-8% das gestações, sendo responsável por >70 000 mortes maternas e > 500 000 mortes fetais/ ano. A PE cursa com disfunção endotelial materna e placentária e pode associar-se a restrição de crescimento fetal (RCF), DPPNI, parto-pré-termo (PPT), e morte fetal (MF). Não existindo cura, o rastreio diagnóstico e monitorização da doença são importantes para a implementação de medidas preventivas.

Nas gestações com placentação anómala ocorre remodelação insuficiente das artérias espiraladas e consequente isquémia placentária. O balanço entre factores antiangiogénicos (sFlt-1) e pró-angiogénicos (PlGF) encontra-se alterada o que contribui para as manifestações clínicas da PE e a alteração nas concentrações séricas destes fatores pode ser detetada antes do aparecimento das manifestações clínicas da doença.

Nesta revisão sistemática os autores sumarizam o que se conhece da performance da utilização dos marcadores séricos maternos PlGF, sFlt-1 e a razão sFlt-1/PlGF na prática clínica.

Como principais conclusões, mas não dispensando a leitura atenta do artigo escolhido para esta semana, destacam-se:
– Em gestações simples, no 1º trimestre, a combinação da determinação de PlGF com factores de risco clínicos e marcadores ecográficos aumenta a acuidade do rastreio de PE.
– O ratio sFlt-1/PlGF é 1) clinicamente útil na orientação clínica de grávidas com sintomas inespecíficos de PE já que tem um elevado valor preditivo negativo; 2) um bom marcador na predição de PE na gravidez gemelar (com diferentes cut-offs); 3) tem maior sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de PE do que o uso de PlGF isolado mas 4) sendo útil na predição de RCF e de PPT, a sua associação com morte fetal não é clara.
– Uma vez estabelecido o diagnóstico de PE, a repetição dos doseamentos pode ajudar na monitorização da progressão da doença e na determinação do momento do parto.

Por Leonor Macedo de Bivar | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Braga

 

A infeção por citomegalovírus (CMV) é a infeção congénita mais frequente, com prevalência estimada de 0,5 a 2% em recém-nascidos, e a principal causa infeciosa de atraso mental na infância e de surdez neurossensorial. No entanto, a maioria das sociedades científicas não recomenda o rastreio serológico pré-natal porque as implicações negativas da sua implementação (ansiedade e iatrogenia) superariam a possibilidade de evitar sequelas importantes. Recentemente, foi sugerido que a administração materna de valaciclovir diminui a transmissão vertical e a probabilidade de lesões fetais.

Este trabalho reúne a escassa evidência científica publicada, avaliando a segurança e eficácia da terapêutica pré-natal com valacilovir em grávidas com infeção por CMV.

Os resultados demonstram que o tratamento após seroconversão materna é seguro e se associa a diminuição significativa do risco de infeção congénita (odds ratio (OR) 0.37 (95% CI, 0.21–0.64), p< 0.001) e aumento da probabilidade de infeção assintomática, sendo maior o benefício quando a terapêutica é administrada após infeção adquirida no primeiro trimestre de gravidez. No entanto, não foi possível aferir se a terapêutica melhora o prognóstico dos fetos com infeção já estabelecida.

De salientar, como principais limitações desta revisão, o reduzido número de casos e a natureza retrospetiva de alguns estudos incluídos, a falta de critérios para avaliação pré e pós-natal da infeção por CMV e a heterogeneidade na idade gestacional em que ocorreu seroconversão

Portanto, torna-se premente a discussão sobre a implementação do rastreio universal desta infeção e a realização de mais estudos que permitam clarificar o impacto do tratamento em fases mais avançadas da gravidez e perante a presença de lesões fetais associadas à infeção.

Por Fátima Palma | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia Obstetrícia CHULC -MAC; Assistente convidada Faculdade de Ciências Médicas- Nova Medical School; Presidente Sociedade Portuguesa de Contraceção

 

O parto pré-termo (PPT) continua a ser a causa mais importante de mortalidade e morbilidade perinatal e uma das principais causas de morte antes dos 5 anos de vida. A predição e prevenção do PTT são uma das prioridades na investigacão atual. Atualmente a medição do colo uterino (das 18- 24 semanas) é o metodo mais eficaz de predição do PPT.
Também sabemos que o uso de progesterona vaginal é eficaz na redução do risco de parto prétermo nas grávidas com colo curto com ou sem história anterior de parto prétermo. A maioria dos estudos de predição do PPT contemplam apenas avaliações do colo até às 24 semanas de gravidez.

Neste artigo os autores fizeram um estudo de coorte retrospectivo (N=374 ) em grávidas com ameaça de parto pretermo e colo uterino ≤ 25mm depois das 24 semanas de gravidez. Os principais objetivos foram: avaliar a eficácia da administração de progesterona vaginal em gravidas com ameaça de parto prétermo e colo curto (≤ 25mm) e o número de internamentos na unidade de cuidados intensivos neonatais (UCINN). No grupo que fez progesterona houve uma redução estatisticamente significativa do parto espontaneo antes das 37 semanas (HR 0,50, 95%CI 0,28-0,73, p=0,001) e do numero de admissões de recem nascidos na UCINN(p=0,04) .

Como pontos fortes deste estudo: o numero de grávidas envolvido e a escolha criteriosa dos critérios de inclusão e de exclusão; como pontos fracos : o estudo ser retrospectivo o que criar algum vies na seleção das grávidas e a ausencia de critérios clinicos para decisão de utilizar ou não progesterona; no entanto as grávidas que fizeram progesterona apesar de terem os colos mais curtos, histórias de PPT anterioriores e idades gestacionais mais precoces no diagnóstico foram as que obtiveram melhores resultados. Os autores sugerem a realização de ensaios randomizados para confirmação destes resultados.

Por Joana Félix | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Pedro Hispano; Assistente convidada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

 

O parto pré-termo (PPT) é a principal causa de morbi-mortalidade perinatal. Pelo seu elevado impacto socioeconómico, a redução da prevalência da prematuridade é um Millennium Development Goals das Nações Unidas.

O estudo apresentado é um estudo coorte prospetivo, com o objetivo de avaliar o impacto da implementação do rastreio do comprimento cervical na prevalência de PPT. Foi, assim, dividido em duas fases: antes da promoção do rastreio do comprimento cervical (coorte A) e após promoção do rastreio (coorte B). O outcome primário do estudo foi comparar a prevalência de PPT nas duas coortes.

Foram incluídas 336603 gestações unifetais, cujo parto ocorreu após as 24 semanas em 17 maternidades Francesas. A coorte A incluiu 171079 grávidas(parto entre 2012 e 2014) e a coorte B incluiu 165524 grávidas (parto entre 1 de maio de 2015 a 30 de abril de 2018).Entre as duas fases do estudo, foram desenvolvidas ações de promoção e sensibilização para a medição do comprimento cervical na ecografia do 2º trimestre, sendo que a realização deste rastreio aumentou de 28.9% na coorte A para 52.9% na coorte B. A prevalência de grávidas com colo curto a quem foi realizada intervenção (progesterona vaginal ou cerclage) também aumentou entre o período A (11.5%) e o período B (18%). Na coorte A ocorreram 9903 PPT (5.79%) vs. 9275 (5.6%) na coorte B, traduzindo uma redução estatisticamente significativa de 0.19% na taxa de prematuros. Estatisticamente, seria necessário rastrear 1250 grávidas para prevenir 1 prematuro.

Os resultados deste estudo demonstram que o rastreio do comprimento cervical se associa a uma redução de PPT, sendo que uma adesão superior à realização do rastreio poderia ter maior impacto na prevenção dos prematuros. Vários trabalhos têm obtido resultados semelhantes e estudos de custo-eficácia concluem que mesmo uma pequena redução da prevalência de PPT é custo-efetiva.

Por Fernando Jorge Costa | Assistente Hospitalar Graduado de Obstetrícia. Coordenador médico do setor de urgência, bloco operatório e formação específica de Obstetrícia A- CHUC.

 

O presente artigo aborda as consequências do número de cesarianas anteriores na complexidade técnica da cesariana futura e explora a possibilidade da ecografia protocolada atuar como preditor do risco e auxiliar de gestão cirúrgica. A cesariana é a intervenção cirúrgica major mais executada a nível mundial, aumentando, desde 2018, quase 1% ao ano.

A cesariana pode ser complexa, particularmente quando a placenta é anterior e/ou oclusiva. O risco maior é o de hemorragia massiva. Face ao aumento significativo da taxa de cesariana e da relação entre o número de cesarianas anteriores com placenta prévia e PAS, é previsível a ascensão numérica das cesarianas tecnicamente exigentes.

Antecedentes de várias cesarianas aumentam a hipótese de resultarem “nichos” de cesarianas de grandes dimensões com subsequentes riscos de gravidez ectópica na cicatriz de cesariana, deiscência do segmento inferior, rutura uterina, placenta baixa ou prévia e acretismo. Os autores reconsideram a fisiopatologia do acretismo placentário e sublinham a importância da preparação técnica da equipa cirúrgica, anexando apoio iconográfico.

A avaliação ecográfica pré-operatória imediata tem sido sugerida para determinar com precisão a localização placentária bem como o local ideal da histerotomia. Não existem normas ecográficas de avaliação do risco cirúrgico em doentes com antecedentes de várias cesarianas, além do contexto do PAS, tal como não existem para a avaliação do “remodeling” do segmento inferior ou aderências pélvicas. Estes são os objetivos do presente trabalho, colaborando na gestão da preparação cirúrgica.

É importante a confrontação entre os dados ecográficos pré-natais e os achados intraoperatórios. A complexidade técnica cirúrgica potencial exige uma preparação diferenciada. Neste texto é proposto um protocolo ecográfico e uma classificação do nível de dificuldade cirúrgica na futura cesariana.

Por Ana Sofia Cardoso | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia – Unidade Local de Saúde do Alto Minho

 

A administração de corticosteroides nas grávidas em risco de parto pré-termo tardio é uma questão controversa, em especial nos casos de Restrição de Crescimento Fetal (RCF). Nestes casos a maturação pulmonar e a produção de surfactante estão aceleradas como resultado de elevados níveis de cortisol plasmático pelo que se torna questionável a exposição de corticoides pré-natal no pré-termo tardio com RCF.

Este artigo resulta de uma análise secundária do estudo TRUFFLE-2 e incluiu mulheres com gestação única entre 32+0 e 36+6 semanas com fetos em risco de RCF. Nesta análise, 86 grávidas que fizeram um ciclo único de corticoterapia (casos) foram emparelhadas com 86 mulheres que não receberam corticoterapia (controlos). Os grupos eram similares no que diz respeito a parâmetros como peso fetal estimado, racio cerebro-placentar, idade gestacional no parto e peso ao nascimento. Não foram observadas diferenças no que diz respeito aos desfechos neonatais entre os casos e os controlos.

Este estudo apresenta algumas limitações. Apenas 11% da população do TRUFFLE-2 recebeu corticoterapia e a decisão de a administrar foi feita pelo clínico com base na perceção de risco perinatal. O pequeno tamanho da amostra e o facto de 11 grávidas não terem sido emparelhadas possibilita a presença de erros estatísticos que não permitem tirar conclusões definitivas sobre o benefício ou as desvantagens do uso de corticoterapia nos casos de RCF. Como ponto forte destacar que os efeitos da corticoterapia foram avaliados numa população de fetos acompanhados prospetivamente até ao parto. Casos e controlos eram semelhantes no que diz repeito aos dois principais preditores de desfechos neonatais adversos: peso e idade gestacional no parto.

Este trabalho demonstra a falta de evidência para recomendar a corticoterapia por rotina em todos os casos de RCF pré-termo tardio e a necessidade de se definir quais os subgrupos de fetos com RCF que poderão ter maior benefício com esta terapia.

Por Ana Teresa Martins | Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia Ginecologia/ Centro de Responsabilidade Integrado de Medicina e Cirurgia Fetal / Maternidade Dr. Alfredo da Costa/ CHULC; Assistente Convidada da Nova Medical School – Lisboa, Portugal

 

A medicina moderna enfrenta o desafio de adquirir, analisar e aplicar uma imensidade de conhecimentos para resolver problemas clínicos complexos. A inteligência artificial (IA) é a capacidade de fazer com que uma máquina consiga imitar o comportamento inteligente humano.

Na medicina fetal a IA apresenta-se como uma ferramenta útil, com aplicabilidade e validação como é exemplo o presente artigo. O diagnóstico pré-natal de uma doença rara, ultrapassa o conhecimento médico pela sua diversidade e características estruturais inespecíficas. Os autores desenvolveram um software de apoio à decisão (SAD) de IA em tempo real, que sugere, em cada etapa do exame, as características fenotípicas seguintes a avaliar, otimizando o percurso diagnóstico para o menor número de diagnósticos possíveis.

Com o objetivo de avaliar o seu desempenho na identificação ecográfica de síndromes fetais em tempo real incluíram 549 fenótipos perinatais de dois centros de referência. Critérios de inclusão uma anomalia detetada ecograficamente > 11 semanas com confirmação pós-natal ou uma doença rara, confirmada nas investigações pósnatais/pós-morte por exame físico, genético ou imagiológico. Os casos foram avaliados retrospetivamente pelo software usando todo o fenótipo como uma única entrada ou uma entrada gradual das características, solicitadas pelo software. A decisão dos casos discordantes foi realizada por especialistas externos. Avaliou-se a percentagem de diagnósticos concordantes dentro dos 10 principais diagnósticos diferenciais do software, a sensibilidade e a especificidade. O SAD identificou 95% das síndromes e o diagnóstico estava nos 10 primeiros em 93% dos casos com todo o fenótipo e 83% com entrada gradual. A especificidade foi de 94% e 96% a sensibilidade de 99% e 84%.

Este estudo sugere que o software, apesar de não incluir todas as situações, pode melhorar a eficiência do diagnóstico de doenças raras, padronizar o estudo, diminuir o número de exames e a ansiedade do casal e oferecer educação médica contínua.

Por Nuno Clode | Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital CUF Torres Vedras

 

A gravidez na cicatriz da cesariana (GCC) é uma complicação obstétrica cuja incidência tem vindo a aumentar acompanhando o aumento da taxa de cesariana e que, se não for rapidamente diagnosticada e tratada, associa-se a morbilidade materna significativa. São várias as opções terapêuticas descritas mas não existe um consenso quanto ao melhor método cirúrgico. Os autores propuseram-se a rever os casos de GCC registados num único centro da China num período temporal (2008-15 – 273 casos) por forma a determinar quais os factores associados a maior risco de hemorragia intraoperatória e, a partir daí, criar uma nova classificação de GCC; por proposta de um painel de peritos foi proposta uma abordagem cirúrgica para cada grupo criado e, posteriormente, avaliada (2014-22 – 564 casos) a sua eficácia no tratamento desta patologia.

A espessura do miométrio (EM) e o diâmetro do saco gestacional (ᲶSG) foram os factores independentes que se associaram a hemorragia levando à criação de 5 grupos de GCC (I -EM>3mm; II – EM 1-3mm com ᲶSG ≤3cm (IIa) ou > 3cm (IIb); III – EM < 1mm com ᲶSG ≤5cm (IIIa) ou > 5cm (IIIb). A taxa geral de sucesso da primeira linha de tratamento consoante cada grupo foi de 97,5% (550/564) não sendo necessária a realização de histerectomia em nenhuma paciente; observou-se a negativação da β-hCG em 3 semanas em 85% das pacientes e o retorno aos ciclos menstruais em 8 semanas em 95,2%.

Apesar de se tratar de um estudo retrospectivo, realizado num único centro e num período temporal (2014-22) que pode ter permitido maior destreza na resolução das situações, tem a vantagem de apontar para factores independentes associados a um maior risco hemorrágico e de, num número significativo de pacientes, mostrar bons resultados que obviamente terão de ser validados em outras populações e centros.

Por Cristina Godinho | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar V N Gaia

 

As gestações gemelares monocoriónicas (MC) associam-se a morbi-mortalidade intra-uterina e perinatal aumentada quando comparadas com as gestações bicoriónicas ou de feto único. A morte de 1 gémeo no 2º ou 3º trimestre associa-se a morbi-mortalidade do gémeo sobrevivente, sendo a lesão neurológica (decorrente da hipotensão/hipovolémia a que é submetido) o foco do aconselhamento e informação sobre o prognóstico neurológico. Este risco é elevado nas gestações MC e ronda os 20%.

Este estudo avaliou o desfecho perinatal após morte de 1 gémeo em gestações MC comparando os casos de morte espontânea vs. morte após técnica de terapia fetal. Verificou a maior incidência de lesão cerebral no grupo de morte espontânea (37,5%) comparado com o grupo de morte após terapia fetal (15,38%) Verificou ainda que fatores pré-natais como maior idade gestacional à data da morte e anemia do feto sobrevivente comportam maior risco de lesão cerebral.

Neste e noutros estudos a anemia fetal presente no gémeo sobrevivente é apontada como a causa principal de dano neurológico. Os autores propõem a adoção de um modelo que combine vários fatores para melhor estimar o risco de lesão neurológica. Na sua opinião a combinação dos fatores idade gestacional da ocorrência da morte, anemia do gémeo sobrevivente e existência ou não de terapia fetal será o modelo com melhor desempenho na estimativa de risco neurológico.

O estudo tem a limitação de incluir uma série pequena, particularmente dos casos de morte não relacionada com terapia fetal, mas alerta para a importância da avaliação do risco neurológico do gémeo sobrevivente e do impacto na gravidade amplificada em caso de prematuridade.

Por Naiegal Pereira | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia / Hospital Beatriz Ângelo, Loures

 

A pré-eclâmpsia (PE) continua a ser a principal causa de morbi-mortalidade materna a nível mundial. Consequentemente, ferramentas de prevenção e modelos de predição das complicações maternas, têm sido foco de investigação. Esta entidade clínica também se associa a complicações neonatais, com maior gravidade na sua apresentação precoce. Sendo o parto o tratamento da PE e o timming ideal nem sempre é consensual, torna-se imperativo perceber se os modelos existentes permitem predizer os outcomes neonatais.

O estudo apresentado teve como objectivo verificar o valor do score de risco materno (PREP-L), do estudo Doppler materno e fetal e do dosemento dos factores angiogénicos placentares, obtidos na admissão de grávidas com PE grave antes das 34 semanas, na predição das complicações neonatais.

Trata-se de um estudo cohort prospectivo que avaliou 63 grávidas de gestação unifetal, com PE precoce, com critérios de gravidade, sem indicação materna ou fetal para parto imediato, que foram submetidas na admissão a um protocolo bem definido que incluía avaliação clínica, física e laboratorial, estudo Doppler materno e fetal ajustado à idade gestacional e doseamento dos factores angiogénicos. A terapêutica anti-hipertensiva, profilaxia das convulsões e a maturação pulmonar fetal foram efectuadas de acordo com as recomendações. Destas gestações, 28,6% apresentaram complicações neonatais, verificando-se que o score de risco materno (PREP-L) na admissão associado ao Doppler fetal ou aos factores angiogénicos apresentou uma boa performance na predição das complicações neonatais e que a combinação destes 3 parâmetros não melhorou o nível de predição. O estudo demonstrou também, entre os factores angiogénicos, um melhor comportamento do PLGF, face ao sFlt-1 ou ao rácio sFlt-1/PLGF.

Como pontos fortes salienta-se o desenho prospectivo, a homogeneidade da amostra e dos protocolos de actuação aplicados. Como limitações de referir a amostra reduzida e a falta de follow-up a longo prazo dos recém-nascidos.

Por Alexandra Miranda | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de Braga; Assistente Convidada da Escola de Medicina da Universidade do Minho

 

A pré-eclâmpsia precoce é uma complicação obstétrica potencialmente grave. Não obstante, cerca de 60% das grávidas com este diagnóstico são elegíveis para uma atitude expectante.

Estudos prévios sugerem uma média de latência entre 7-14 dias, porém, a coexistência de restrição de crescimento fetal (RCF) pode ter impacto na orientação clínica. O presente estudo consistiu numa análise secundária de um ensaio clínico prospetivo randomizado, tendo como objetivo perceber se a coexistência de RCF influencia o tempo de latência da gravidez em mulheres com pré-eclâmpsia precoce em atitude expectante.

O objetivo secundário era avaliar se a RCF tem impacto na indicação de interrupção da gravidez, via de parto e desfechos adversos maternos e fetais graves. Das 202 mulheres incluídas, 92 (45,5%) apresentava RCF aquando o diagnóstico de pré-eclâmpsia. O tempo de latência mediano da gravidez foi 6,8 dias no grupo RCF e 15,3 dias no grupo controlo (p<0.001). As gravidezes com RCF tiveram maior probabilidade de terminação por suspeita de estado fetal não tranquilizador (64.1% vs 36.4%, RR 1.84) e por cesariana emergente em ausência de trabalho de parto (66.3% vs 43.6%, RR 1.56), apresentando também menos induções de trabalho de parto bem sucedidas (4.3% vs 14.5%, RR 0.32). Não se registaram diferenças nas complicações maternas. O grupo com RCF associou-se a maior taxa de morte neonatal (14.1% vs 4.5%, RR 3.26) e necessidade de entubação e ventilação mecânica (15.2% vs 5.5%, RR 2.97). Como pontos fortes do estudo salienta-se o facto de se tratar de um estudo prospetivo que utilizou uma definição consenso de RCF. Como limitações destaca-se o número relativamente limitado da amostra.

Em conclusão, estes resultados são relevantes por demonstrarem que as pré-eclâmpsias precoces associadas a RCF apresentam menor latência até ao parto, mais cesarianas emergentes, menos induções bem sucedidas e maior morbimortalidade neonatal.

Por Cecília Marques | Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia; Hospital de Braga, EPE

 

A indução do parto é um dos procedimentos obstétricos mais comuns nos dias de hoje. O misoprostol, análogo da prostaglandina E1, tem sido usado off-label para a indução do parto. Angusta® é a primeira preparação oral de misoprostol na dose de 25 microgramas aprovada na Suécia para indução do parto. A indução do parto no domicílio poderá diminuir o tempo de internamento, aumentar a satisfação e conforto das pacientes e reduzir os custos.

Trata-se de um estudo retrospetivo decorrido entre 01/01/2019 e 01/02/2022, em duas maternidades da Suécia, que incluiu 282 grávidas induzidas com misoprostol em contexto de ambulatório que foram emparelhadas com 282 induzidas em contexto hospitalar. Os dois grupos foram comparados no que concerne à taxa de parto vaginal, duração do internamento até ao parto e duração do internamento hospitalar, dose total de misoprostol administrada, complicações maternas e neonatais.

As taxas de parto vaginal foram semelhantes em ambos os grupos (84,8% vs 86,2%; p=0,5). O tempo decorrido desde a hospitalização até ao parto foi significativamente mais curto no grupo da indução no domicílio (12,8 vs 20,6h; p<0,001), bem como o tempo total internamento (2 vs 3 dias; p<0,001). Não se verificaram diferenças em relação aos resultados maternos e neonatais.

Uma das principais limitações deste estudo é o facto dos protocolos de indução no domicílio e no hospital serem diferentes, uma vez que as do primeiro grupo tiveram um período noturno de 8h sem administração de misoprostol, bem como a dose usada na indução no domicílio foi de 25mcg enquanto a dose usada em regime hospitalar foi de 40mcg.

Assim, iniciar a indução do parto no domicílio parece diminuir o tempo de hospitalização sem afetar a taxa de parto vaginal nem piorar os resultados maternos e neonatais. No entanto, são necessários mais estudos para avaliar a segurança da indução no domicílio com misoprostol.

Por Maria Pulido Valente | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Serviço de Obstetrícia, Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Medicina da Reprodução – Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte

 

A fibronectina fetal e o comprimento cervical são factores preditores de parto pré-termo, contudo a sua utilidade nas mulheres submetidas a ciclorrafia ainda não foi confirmada. O conhecimento do valor preditivo destes factores nestas mulheres poderá melhorar o aconselhamento sobre a necessidade de suspender a actividade laboral ou mesmo indicação para internamento para vigilância ou necessidade de maturação fetal.

Este estudo consistiu numa análise secundária de um estudo prospectivo que incluiu mulheres assintomáticas com alto risco de parto pré-termo que foram submetidas a ciclorrafia e mais nenhum tratamento preventivo (ex: progesterona). Foram incluídas 181 mulheres submetidas a ciclorrafia: abdominal (prévia a concepção – 10%), indicada pela história (35%) e indicada pela ecografia (55%). A avaliação cervical e da fibronectina fetal foi realizada a cada 2-4 semanas. O objetivo do estudo foi determinar o valor preditivo destes marcadores para parto pré termo nesta população.

O comprimento cervical e a fibronectina fetal foram fortes preditores de parto pré termo antes das 30 semanas nas mulheres com ciclorrafia, com área sob a curva ROC de 0.86 (95% CI, 0.79–0.94) e 0.84 (95% CI, 0.75–0.92), respectivamente. O comprimento cervical mostrou ser melhor preditor de parto pré-termo antes das 30 semanas nas mulheres com ciclorrafia indicada pela história do que no grupo de ciclorrafia indicada pela ecografia (AUC, 0.96 (95% CI, 0.91–1.00) vs 0.79 (95% CI, 0.66–0.91); P = 0.01). A fibronectina fetal também foi melhor preditor de parto pré-termo no grupo de ciclorrafia indicada pela história do que pela ecografia (AUC 0.91 (95% CI, 0.75–1.00) vs 0.76 (95% CI, 0.64–0.89). No grupo da ciclorrafia abdominal, não ocorreram partos pré-termo antes das 34 semanas.

Em conclusão, estes resultados demonstraram que estes dois marcadores permitem identificar com elevada acuidade as mulheres com maior risco de parto pré-termo após ciclorrafia.

Por Susana Santo | Assistente Hospitalar Graduada do Serviço de Obstetrícia do Hospital Santa Maria – CHLN

 

O teste pré-natal não invasivo (TPNI) integra o rastreio pré-natal de aneuploidias em países com recursos elevados, e deste modo está incluído nos cuidados anteparto. A International Society for Prenatal Diagnosis (ISPN) emitiu neste artigo um consenso sobre os pressupostos teóricos e a aplicação clínica do TPNI. Nos últimos 50 anos, o diagnóstico pré-natal de aneuploidias evolui da simples avaliação da idade materna para outros métodos como o rastreio do segundo trimestre, o rastreio combinado do primeiro trimestre e finalmente a pesquisa de DNA livre no plasma materno. Apesar dos avanços, o TPNI é utilizado de forma diversa entre países, e em Portugal continua a não ser disponibilizado a toda a população.

O que precisamos de saber sobre o TPNI?
Existem diferentes testes no mercado, é necessário considerar a percentagem de DNA fetal, é necessário saber gerir a “ausência de resultados”, conhecer a sensibilidade e especificidade para a deteção das diferentes aneuploidias (cr 13,18, 21, X), conhecer a taxa de falsos positivos. Emerge ainda a utilização de TPNI para detecção de trissomias autossómicas raras, de desequilíbrios cromossómicos, de microdelecções e duplicações; no entanto a sua aplicação na prática clínica ainda é controversa, requer aconselhamento especializado e investigação adicional.

O texto salienta também os princípios da autonomia, da equidade e voluntariedade quando se propõe um teste pré-natal de rastreio de aneuploidias. O aconselhamento pré e pós-teste deve permitir uma discussão partilhada e facultar o suporte necessário para que a doente consiga tomar a decisão de forma autónoma. Os clínicos devem adquirir os conhecimentos que possibilitem uma decisão partilhada com a grávida, respeitando as suas preferências.

Este é o caminho da medicina obstétrica individualizada e não conduzida pela aplicação de exames de rotina de rastreio pré-natal; o consenso da ISPD pode facultar informação importante neste contexto.

Por Leonor Castro Ferreira | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – CRI-Medicina e Cirurgia fetal (CHULC)

 

A pré-eclâmpsia (PE) continua a ser uma das principais causas de mortalidade materna e perinatal.
O ASPRE (Combined Multimarker Screening and Randomized Patient Treatment with Aspirin for Evidence-Based Preeclampsia Prevention) mostrou uma associação entre o uso de AAS 150 mg/dia e uma redução em 62% do risco de PE antes das 37 semanas e de 90% antes das 32 semanas.

No estudo apresentado esta semana foi realizada uma análise secundária dos dados do ensaio ASPRE para investigar o efeito da aspirina (AAS) na evolução da Pressão Arterial Média (PAM) e no Índice de Pulsatilidade médio das Artérias uterinas (IPmAUt), ao longo da gravidez.
Foram incluídas 1620 grávidas com risco elevado de PE precoce segundo o algoritmo da Fetal Medicine Foundation. Destas, 798 receberam AAS 150 mg/dia desde as 11-14 semanas até às 36 semanas de gestação ou até ao parto e 882 receberam placebo. A avaliação da PAM e do IPmAUt, foi efetuada durante as consultas programadas às 19-21, 32-34 e 36 semanas.

Os resultados demonstraram que a evolução da PAM, quer em valores absolutos ou convertidos em múltiplos da mediana (MoM), não teve diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos (p = 0,340). No entanto, a diferença do IPmAUt, quer em valor absoluto ou convertido em MOM, foi estatisticamente significativa (p = 0,006) com uma redução marcada no valor do IP no grupo sob AAS. Os autores consideraram que esta diferença pode traduzir um efeito benéfico do AAS na invasão do trofoblasto e perfusão uteroplacentária.

Neste estudo, o que mais me chamou a atenção foi a confirmação do que observamos frequentemente durante a prática clínica: as grávidas sob AAS têm uma redução no IPmAUt, sendo esta mais marcada entre as 11 e as 20 semanas.

Por Sara Tavares | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital Particular do Algarve

 

A pré-eclâmpsia (PE) é uma complicação obstétrica que ocorre em cerca de 2 a 8% das gravidezes em todo o mundo. A obesidade é um fator de risco para PE aumentando o risco desta patologia em 3 vezes. Estima-se que 40% dos casos de PE ocorram em grávidas com excesso de peso ou obesidade.

Um estudo recente veio esclarecer a forma como o Índice de Massa Corporal (IMC) e antecedentes de PE podem influenciar a saúde vascular em mulheres.Este estudo pretendeu também esclarecer se o IMC elevado e antecedentes de PE atuam de forma independente ou conjunta nos indicadores de saúde vascular.

Os autores verificaram que tanto o IMC quanto antecedentes de PE têm impactos negativos distintos em indicadores de saúde vascular, como a função endotelial, a espessura íntima-média da carótida (cIMT) e a distensibilidade carotídea (CD).

Os resultados indicam que, embora ambos tenham efeitos individuais na saúde vascular, eles não interagem significativamente nos indicadores avaliados sugerindo que ambos os fatores contribuem de forma independente.

O que este estudo nos traz também de novo é a noção de um sinergismo entre PE e o IMC relativamente ao efeito negativo sob a resistência à insulina.

Resumindo, esta pesquisa fornece uma visão abrangente de como fatores como o IMC e a PE podem ter impacto na saúde vascular das mulheres.  Embora a noção de que a PE e obesidade são fatores de risco cardiovascular não seja nova a verdade é que estas mulheres muitas vezes não têm um acompanhamento adequado.

Este estudo reforça a importância de considerar múltiplos elementos ao avaliar o risco cardiovascular e destaca o potencial das intervenções direcionadas para melhorar a saúde cardiovascular das mulheres. Intervenções individualizadas que visem melhorar a resistência à insulina e a aptidão física podem desempenhar um papel fundamental.

Por Nuno Clode | Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital CUF Descobertas

 

Na Sugestão desta semana sugiro não um artigo mas toda uma seção da revista oficial da FIGO, o International Journal of Gynecology & Obstetrics (IJOG) . A secção dedica-se à vacinação na mulher e, muito em especial, na grávida. Este assunto tem merecido um especial destaque desde o início da pandemia do COVID-19 em que ficou muito clara a vantagem, para a grávida, da vacinação contra o vírus na diminuição da mortalidade e morbilidade.

A Secção do IJOG aborda não só os mecanismos como a vacinação melhora os desfechos na gravidez como explora formas de melhorar a adesão das grávidas (e dos prestadores de cuidados de saúde!) à vacinação, partilha experiências vividas noutros países de implementação de programas de vacinação e realça a importância de estabelecer redes de fármaco-vigilância para se criar conhecimento que permita transmitir uma maior segurança à gestante.

Em Portugal a vacinação na gravidez contra o COVID-19, o tétano, a tosse convulsa e gripe é recomendada e estas vacinas estão disponíveis e são de fácil acesso. Estão neste momento em desenvolvimento vacinas contra o Estreptococo Grupo B e contra o Virus Respiratório-Sincicial. Pouco conhecemos sobre a adesão da grávida aos programas de vacinação mas parece muito claro que é por demais importante uma formação sólida do prestador de cuidados de saúde para um adequado aconselhamento sobre este assunto. Assim, para além do desafio para desfolhar o número de Julho de 2023 do IJOG convido-vos para o webinar que a SPOMMF tem previsto já no próximo mês de Setembro sobre Vacinação e Gravidez.

Por Daniela Almeida | Assistente Hospitalar do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia da Unidade Local de Saúde de Matosinhos – Hospital Pedro Hispano

 

Este estudo teve como objetivo definir um conjunto de achados ecográficos que permitem o diagnóstico imediato e inequívoco de 20 anomalias fetais: do sistema nervoso central (exencefalia/anencefalia; holoprosencefalia alobar/semilobar; encefalocelo; espinha bífida aberta; agenesia completa do corpo caloso); do coração (síndrome do ventrículo esquerdo hipoplásico; defeito do septo aurículo-ventricular completo; anomalia de Ebstein grave; estenose aórtica grave; transposição de grandes vasos); da parede abdominal e trato digestivo (atresia duodenal, hérnia diafragmática congénita esquerda, onfalocelo, gastrosquisis e anomalia body-stalk); do sistema urinário (doença renal poliquística autossómica recessiva; displasia renal multiquística; obstrução do trato urinário inferior) e do sistema esquelético (defeito transverso dos membros e defeitos do rádio). A escolha destes diagnósticos foi de certa forma arbitrária, podendo este princípio ser aplicável a outros diagnósticos não contemplados neste estudo, como por exemplo a fenda lábio-palatina. O intuito dos autores foi o de incrementar a possibilidade de diagnóstico precoce de condições com mau prognóstico ou daquelas que beneficiam de orientação atempada para centros de referência. Assim, de forma análoga ao conseguido pelo “International Ovarian Tumor Analysis” (IOTA) relativamente às massas ováricas, é possível facilitar o treino de ecografistas menos experientes, podendo vir a ser utilizado este método em algoritmos para ecografia associada a inteligência artificial.

Por Rui Marques de Carvalho | Assistente-Graduado de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital de Santa Maria/CHULN; Assistente-Convidado da Faculdade de Medicina de Lisboa

 

É consensual que uma gravidez considerada de “baixo risco” pode, no momento de maior stress fetal, durante o trabalho de parto, assumir características de risco acrescido, sobretudo relativamente ao bem-estar fetal, por oxigenação deficitária, fruto de disfunção placentária sem diagnóstico anteparto conhecido. Neste sentido, a evidência actual sugere que a maioria dos incidentes fetais adversos, incluindo encefalopatia hipóxico-isquémica e mesmo morte fetal, ocorrem em gestações clinicamente rotuladas como de “baixo risco”, incluindo avaliação do crescimento fetal.

Assim, o desenvolvimento e implementação de técnicas que nos permitam rastrear, numa fase inicial do trabalho de parto, grávidas de “baixo-risco” com eventual disfunção placentária, poderão permitir um conjunto de medidas, nomeadamente vigilância estrita e intervenção obstétrica, que possam de alguma forma mitigar este risco acrescido. Este estudo, pelas suas características, corresponde a um avanço importante neste carácter de previsibilidade.
Corresponde a um estudo prospectivo, multicêntrico, que avalia a correlação do IP AU MoM, no início do trabalho de parto e a sua correlação com suspeita de hipoxia fetal, intervenção obstétrica e desfecho perinatal.

Foram avaliadas 804 grávidas, com 5% (40 casos) apresentando IP AU MoM anómalo. As grávidas com intervenção obstétrica por EFNT eram mais frequentemente nulíparas (72,2% vs 53,6%; P=0,008), tiveram uma maior frequência do IP AU MoM anómalo (13% vs 4,4%; P=0,005) e um trabalho de parto mais demorado. Foi ainda demonstrada associação com desfecho perinatal adverso.
A regressão logística demonstrou que o IP AU MoM foi um factor de risco independente para intervenção obstétrica por EFNT.

Concluindo, a avaliação das artérias uterinas numa fase inicial do trabalho de parto pode identificar gestações de “baixo risco” com risco acrescido de hipóxia fetal intraparto.

Por Daniela Reis Gonçalves | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – Centro Materno-Infantil do Norte

 

A infeção por citomegalovirus (CMV) é a infeção congénita mais frequente. O risco de transmissão vertical após infeção primária materna é 21% e 37% na preconceção e primeiro trimestre, respetivamente. A infeção congénita pode associar-se a sintomas graves e, mesmo sem sintomas, há risco de alterações neurológicas a longo prazo, particularmente perda auditiva. Assim, pela sua prevalência e comorbilidades, estratégias para redução da transmissão vertical e infeção neonatal são cruciais. Estudos mostraram que o valaciclovir reduz substancialmente a taxa de transmissão vertical de CMV em mulheres com infeção primária adquirida na pré-conceção ou primeiro trimestre.

Chatzakis et al. realizaram uma meta-análise de dados de pacientes individuais para avaliar a eficácia e segurança deste tratamento na prevenção secundária da infeção congénita. Foram incluídos 3 estudos, correspondendo a 527 mulheres com infeção primária por CMV, adquirida na preconceção ou primeiro trimestre, às quais foi administrado valaciclovir oral 8g/dia. Os resultados indicam que o tratamento reduz a taxa de transmissão vertical [aOR 0.34 (95% CI, 0.18 a 0.61)] e a taxa de infeção neonatal [aOR 0.30 (95% CI, 0.19 a 0.47)], quer na pré-conceção quer no primeiro trimestre. O tratamento reduziu, ainda, a taxa de interrupções da gravidez por malformações fetais graves associadas ao CMV [aOR 0.23 (95% CI, 0.22 a 0.24)]. De destacar que este estudo comprova que o tempo é crucial – quanto mais precoce o início do tratamento mais eficaz a prevenção. De salientar também a prevalência de efeitos laterais de 2.1%, inferior ao reportado previamente, ou seja, este tratamento de alta dose é seguro para a mãe.

Assim, esta meta-análise, recorrendo exclusivamente a estudos randomizados ou quase randomizados, confirma a eficácia do tratamento com valaciclovir na redução da transmissão vertical de CMV, em casos de infeção primária materna pré-concecional ou no primeiro trimestre, sendo também seguro para a mãe.

Por Teresinha Simões | Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia e Ginecologia – Maternidade Alfredo da Costa – CHLC

 

O objetivo do artigo é determinar qual a melhor técnica para efetuar a redução fetal seletiva em gravidezes monocoriónicas (MC) complicadas.
Num grupo de 259 gravidezes gemelares MC que necessitaram redução fetal seletiva, os autores foram comparar as 4 técnicas utilizadas: a coagulação intersticial por laser (29 casos,11%), a ablação por radiofrequência (64 casos,25%), a coagulação fetoscópica com laser (85 casos,33%) e a eletrocoagulação bipolar do cordão (81 casos,31%).

O primeiro evento estudado foi a mortalidade do outro gêmeo. Os eventos secundários estudados foram: a rutura prematura pré-termo de membranas com menos de 32 semanas (RPPM), a idade gestacional no parto e a morbilidade neonatal grave.
No total a mortalidade perinatal observada foi de 29% e a morte do outro gêmeo ocorreu em 19% dos casos, dos quais 7% nas primeiras 24h. A técnica com a mortalidade mais baixa foi a eletrocoagulação bipolar do cordão (17%, p = 0.012). A indicação com mais alta taxa de sobrevida foi a restrição de crescimento fetal seletiva (92%, p = 0.028). A RPPM abaixo das 32 semanas, ocorreu em 18% das pacientes, sem diferenças com significado estatístico entre as técnicas. A idade gestacional no parto foi de 35 semanas também não diferindo entre as técnicas. A lesão cerebral grave foi observada em 4% dos sobreviventes e em 14% dos casos houve morbilidade neonatal grave. Não houve diferenças no que respeita á técnica utilizada.

Os autores concluíram que a redução seletiva em gêmeos MC é um procedimento com elevado risco de mortalidade perinatal do outro gêmeo. A eletrocoagulação bipolar do cordão registou nesta avaliação, a mais baixa taxa de mortalidade, contudo no que respeita á RPPM antes das 32 semanas, a sua incidência foi alta independentemente da técnica utilizada.

Por Vera Trocado | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia da Unidade Local de Saúde do Alto Minho – Viana do Castelo

 

O Streptococcus do grupo B (SGB) é um importante agente causador de doença invasiva neonatal, particularmente sépsis ou meningite. A profilaxia antibiótica intraparto tem uma eficácia superior a 80% na prevenção da doença de início precoce (0 a 6 dias de idade), não tendo impacto na incidência ou gravidade de doença de início tardio (7 a 89 dias), nem nas sequelas associadas à infeção por este agente prévia ao nascimento.
Assim, o desenvolvimento de uma vacina de administração durante a gravidez, poderá não só ter impacto na doença de início tardio, como eliminar a necessidade de efetuar rastreio da colonização e a profilaxia antibiótica durante o trabalho de parto, diminuindo o risco de desenvolvimento de resistências antibióticas e de disrupção do microbioma do feto/recém-nascido/lactente.

Este artigo apresenta-nos um estudo de fase 2 ainda em curso, em que é avaliada a segurança e imunogenicidade de uma dose única de uma vacina polissacárida conjugada hexavalente, GBS6, ainda em investigação, administrada durante a gravidez em 3 diferentes doses (5 µg, 10 µg ou 20 µg).

A vacina GBS6 levou a produção de anticorpos maternos para todos os 6 serotipos incluídos, com ratios de produção de anticorpos no recém-nascido de entre 0.4 a 1.3, dependendo do serotipo e da dose administrada. Após determinação em paralelo dos cutoffs de IgG que determinam redução do risco de doença, verificou-se que 57 a 95% dos recém-nascidos/lactentes obtinham resposta serológica à formulação mais imunogénica.
A incidência de eventos adversos foi semelhante no grupo de mães e recém-nascidos/lactentes nos grupos de administração da vacina e placebo, essencialmente com o desenvolvimento de reações locais.

As implicações clínicas decorrentes deste estudo são óbvias e estão acima descritas. No entanto, as concentrações de anticorpos consideradas potencialmente protetoras foram reportadas em apenas um estudo sero-epidemiológico, pelo que são necessários mais estudos para melhor definir estas relações imunológicas.

Por Maria José Monteiro Morais | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia – Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Braga, E.P.E.

 

As patologias hipertensivas da gravidez (PHG), mantêm-se como principais contribuidoras para a mortalidade e morbilidade materna e perinatal. Estudos sugerem que são responsáveis por aproximadamente 1/6 de todos os partos prematuros.
Apesar da aspirina ser recomendada pela maioria das sociedades internacionais, a sua utilização para a prevenção de PHG tem sido debatida pelos resultados contraditórios de estudos randomizados.

Este estudo realizou uma análise secundária (n=11544) do estudo ASPIRIN, de modo a avaliar o impacto da aspirina, quando comparada com placebo, na idade gestacional do parto em mulheres com PHG. Este primeiro estudo englobou 11976 nulíparas, que foram randomizadas a iniciar aspirina 81 mg/dia ou placebo entre as 6-13 semanas até 36 semanas de gestação.
Mulheres que foram randomizadas para iniciar aspirina e que desenvolviam PHG tinham menor probabilidade de parto < 34 semanas (RR 0.37, 95% CI 0.17–0.81) ou < 37 semanas (RR 0.66, 95% CI 0.49–0.90), quando comparadas com o grupo placebo. Este grupo demonstrou também um menor risco de parto < 28 semanas, no entanto sem atingir diferença estatisticamente significativa, o que se deve provavelmente à baixa incidência este evento. Não foram encontradas diferenças nos outcomes maternos. O grupo designado a receber aspirina apresentou menor incidência de baixo peso ao nascimento (RR 0.71, 95% CI 0.57–0.87), recém-nascidos entre o P5 e P10 (RR 0.81, 95% CI 0.67–0.99) e mortes fetais.

Nesta análise, aspirina, parece atrasar a idade gestacional do parto nas mulheres com PHG (AAS 38.5 s vs. placebo 37.9 s; RR 1.02, 95% CI 1.01–1.03).

Recentemente uma análise secundária do estudo ASPRE sugeriu que o verdadeiro benefício da aspirina é a idade gestacional mais tardia do início da PHG, levando a menor morbilidade e mortalidade perinatal.

Esta análise secundária do estudo ASPIRIN teve resultados sobreponíveis, apesar da menor dose de aspirina utilizada.

Por Dânia Ferreira | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia; Hospital de Braga, EPE

 

A restrição do crescimento fetal (RCF) tem um grande impacto no aumento de risco de desfecho perinatal adverso.

O objetivo deste estudo foi determinar a frequência de síndromes genéticos e compromisso do neurodesenvolvimento em recém-nascidos (RN) sem malformações, nascidos a termo com extremo baixo peso e sem evidência de insuficiência placentária, em duas maternidades de Barcelona (Agosto de 2013- Setembro de 2018). Foi realizada a sequenciação do exoma e a análise de CNVs (copy number variations), e avaliado o neurodesenvolvimento (ND) com recurso às Escalas de Bayley III e de Wechsler V.

Entre os 36405 RN nascidos no período do estudo, 274 (0,75%) tiveram um peso ao nascimento <2,5 desvios-padrão; destes 98 preenchiam os critérios de inclusão. Dos 63 casais contactados, 7 (11%) reportaram um diagnóstico pós-natal de síndrome genético, e 18 (29%) aceitaram realizar o exoma e testes de avaliação de ND. Dos 7 com diagnóstico pós-natal de síndrome genético, registaram-se 2 casos de síndrome de Cockayne, 1 caso de síndrome de baixa estatura-microcefalia-disfunção endócrina, 1 caso de síndrome de Renpenning, 1 caso de síndrome de Noonan, 1 caso de síndrome de Silver–Russell e 1 caso de síndrome de Prader–Willi. Nas 18 crianças submetidas a estudos, todas revelaram resultados normais no exoma e análise de CNVs, embora 6 (33%) tenham obtido scores baixos ou muito baixos em pelo menos 1 dos 5 domínios aferidos pela Escala de Inteligência de Wechsler.

Como pontos fortes do estudo salientam-se a originalidade do trabalho e a seleção de fetos de termo, o que retira o fator confundidor da prematuridade. Como limitações, destaca-se o número limitado da amostra.

Em conclusão, em fetos com RCF grave não placentária devem ser considerados os riscos de síndrome genético e atraso do ND pós-natal, ainda que estudos prospetivos alargados sejam necessários.

Por Mónica Centeno | Assistente graduada de Ginecologia/Obstetrícia – Hospital de Santa Maria – CHULN; Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

 

As doenças hipertensivas da gravidez (DHG) que incluem a pré-eclâmpsia e a hipertensão gestacional, podem induzir alterações endoteliais que tendem a impactar na fisiologia cardiovascular da mulher a longo prazo. As DHG aumentam o risco de doença cardiovascular mais tarde na vida. A relação entre as DHG e a doença cerebrovascular está menos bem estabelecida.

Esta metanálise, que incluiu 24 estudos, mostrou que as DHG estão associadas à ocorrência de AVC (risco ajustado 1.74; 95% IC, 1.45-2.10), a pré-eclâmpsia associa-se a maior risco de AVC isquémico (risco ajustado, 1.74; 95% IC, 1.46-2.06) e de AVC hemorrágico (risco ajustado, 2.77; 95% IC, 2.04-3.75) e que a hipertensão gestacional associa-se a maior risco de AVC isquémico (risco ajustado, 1.35; 95% IC, 1.19-1.53) e de AVC hemorrágico (risco ajustado, 2.66; 95% IC, 1.02-6.98).

Esta associação entre DHG e AVC (em particular hemorrágico) deve conduzir à instituição de medidas de educação para a saúde e de intervenções preventivas que visem reduzir o risco futuro de AVC.

Por Inês Martins | Assistente Hospitalar de Ginecologia-Obstetrícia no Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução do CHULN-HSM; Assistente convidada de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

 

O aquecimento global é atualmente um tema incontornável. Muitas são as potenciais consequências, mas pouco se estudou o impacto na reprodução humana.

Este estudo traz-nos evidência de que a exposição ao calor durante a gravidez é um potencial fator de risco ambiental para morbidade materna grave. Esta relação pode contribuir para o aumento da morbilidade materna a que temos assistido nos últimos anos, juntamente com outros importantes fatores de risco já conhecidos, como a idade avançada e patologia prévia.

A principal patologia diagnosticada foi cardiovascular, cerebrovascular e tromboembólica – sendo mecanismos postulados a depleção de volume e o desequilíbrio eletrolítico, aumentando a inflamação e o estado de hipercoagulabilidade, a frequência cardíaca e o estado metabólico maternos.

As associações observadas são mais expressivas no terceiro trimestre, indicando que o final da gravidez pode ser o período mais sensível ao calor ambiental.

Por Cátia Rasteiro | Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia e Ginecologia do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga

 

A doença hepática na gravidez engloba a doença hepática relacionada com estado gravídico e a doença hepática aguda e crónica pré-existentes. Independentemente da sua etiologia, estão relacionadas com risco significativo de morbilidade/mortalidade materno fetal.

A European Association of the Study of Liver desenvolveu diretrizes para estabelecer recomendações na orientação destas patologias. No documento resultante, faz uma revisão abrangente da doença hepática na gravidez.

Para cada patologia, são expostos vários aspetos a ter em conta para quem acompanha estas mulheres, fornecendo recomendações para a gestão mais eficiente da situação clínica: influência da doença na gravidez e da gravidez na doença, fatores de prognóstico, estratégias de otimização da doença (pré conceção, gravidez, puerpério), meios auxiliares de diagnóstico, considerações relativas ao parto e pós-parto e adequação farmacológica à gravidez e amamentação.

A escolha deste documento para artigo da semana SPOMMF resulta da necessidade que todos temos na nossa atividade assistencial de ter informação clínica atual, fidedigna e de preferência não dispersa. Este propósito parece por vezes difícil de atingir, dado que milhares de documentos estão constantemente a serem publicados.

A prática baseada na evidência deve ter em conta a melhor evidência disponível, mas também ter em consideração a experiência clínica de quem presta cuidados, as condições locais onde estes cuidados são prestados e os valores e preferências do doente. Os sumários de evidência surgem como uma forma rápida de acesso à evidência para prevenir e/ou gerir problemas de saúde, com vantagens para os utentes, profissionais de saúde e sistema de saúde. Este documento faculta uma ferramenta útil, com repercussões importantes na orientação prática do dia a dia. As suas recomendações, contudo, devem ser vistas como linhas de orientação, já que devem ser articuladas com a disponibilidade existente, a exequibilidade no contexto e a aceitação da doente.

Por Diana de Castro Almeida | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – Centro de Diagnóstico e Terapêutica Pré-natal / Serviço de Obstetrícia – Hospital de Faro / Centro Hospitalar e Universitário do Algarve

 

A infeção gestacional por citomegalovírus resulta em infeção congénita em cerca de 0,2 a 1% de todos os recém-nascidos. Esta acarreta sequelas sensoriais e de neurodesenvolvimento importantes, traduzindo-se numa questão de saúde pública.

A abordagem desta infeção, nomeadamente no que ao seu rastreio diz respeito, tem sido alvo de muita discussão, face aos resultados promissores com a aplicação de Valaciclovir na prevenção secundária de transmissão fetal após seroconversão primária.

O presente artigo oferece um estudo de custo-benefício que compara quatro estratégias de abordagem rastreio, tendo como base a realidade francesa. Esta realidade é muito semelhante à realidade portuguesa: sem recomendação de rastreio pela saúde pública, rastreio parcial realizado na realidade clínica e recomendação de rastreio universal avançada pelas associações médicas da especialidade.

A avaliação realizada conclui como inaceitável a prática de rastreio atualmente recomendada pela saúde pública, e sugere que a estratégia de rastreio universal no primeiro trimestre, com utilização de Valaciclovir como prevenção secundária, será a estratégia com maior custo-benefício face à situação atual.

Por Elsa Pereira | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia – Hospital da Senhora da Oliveira, Guimarães

 

A gasimetria do cordão umbilical após o parto avalia o estado metabólico do recém-nascido ao nascimento. A acidose metabólica (AM) está associada a resultados neonatais adversos e o diagnóstico precoce é importante para identificar os recém-nascidos que precisam de cuidados neonatais.

A DGS, NICE e a ACOG definem AM na presença de PH na artéria umbilical <7 e um défice de bases ≥12 mmol/l e recomendam a colheita apenas em situações específicas.
Este estudo retrospetivo, que incluiu 94 592 recém-nascidos, realizado entre Janeiro 2011 e Dezembro 2019, num único centro, mostrou que os recém-nascidos com AM tiveram significativamente (P<0,01) mais admissões na UCIN, maior necessidade de ventilação mecânica, convulsões, sépsis, maior mortalidade neonatal e tiveram 100 vezes mais risco de encefalopatia com necessidade de hipotermia do que os recém-nascidos sem AM. Apesar dos piores resultados neonatais no grupo com AM, a média dos índices de Apgar foi semelhante entre os dois grupos.

Quando comparada a eficácia diagnóstica dos critérios da ACOG e NICHD*, estes últimos foram mais sensíveis e identificaram mais recém-nascidos com acidose metabólica e maior risco de eventos neonatais adversos, nomeadamente encefalopatia com necessidade de hipotermia.
A idade materna avançada, nuliparidade, IMC altos, doença hipertensiva, diabetes mellitus, gravidez pós-termo, segundos estadios parto prolongados, corioamnionite, descolamento placentar, partos instrumentados e por cesariana foram associados a maior risco de AM (P<0,01).

Estes achados vêm apoiar a boa prática da colheita do sangue do cordão umbilical nas nossas salas de parto. Além disso este estudo sugere a sua implementação universal e uma definição mais abrangente para AM como os critérios de NICHD* para melhor e mais precocemente identificar os recém-nascidos de risco.


*Critérios de NICHD (National Institute of Child Health and Human Development) para AM: PH na artéria umbilical ≤7 ou défice de bases ≥16 mmol/l; recém-nascido com evento perinatal agudo e sem gasimetria do cordão; PH 7,01-7,15 ou défice de bases 10-15,9 mmol/l com índice de apgar ≤5 ao 10 min; ventilação assistida ao nascimento

Por Luisa Pinto | Assistente Hospitalar Graduada Sénior; Assistente Convidada de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina de Lisboa

 

Este estudo transversal, baseado na aplicação de um questionário (n=99), pretendeu avaliar a atitude de internos e especialistas de Obstetrícia e Ginecologia portugueses face à técnica de versão cefálica externa (VCE) e perceber as razões para a não proposta desta técnica perante uma grávida com feto em apresentação não cefálica, no termo ou perto do termo, na ausência de contraindicações.

Apesar das recomendações emitidas por diversas sociedades nacionais e internacionais, o estudo mostrou que mais de metade dos clínicos (58,6%) não proporia a uma grávida nas circunstâncias acima, a realização de VCE e ainda que a VCE seria mais frequentemente proposta por médicos pertencentes a hospitais de apoio perinatal diferenciado (p=0,01), ainda que apenas 55,7% dos mesmos oferecessem a manobra.
A principal razão apontada para a não proposta da VCE foi a falta de experiência.

A VCE é uma manobra segura, com uma taxa de sucesso de cerca de 50%, e que permite reduzir a taxa de cesarianas por apresentação não cefálica em 43%.
Sendo a taxa de cesarianas um dos principais indicadores de qualidade em Obstetrícia, dados os maiores riscos a curto e médio prazo que implica, todas as medidas no sentido de a reduzir devem ser promovidas a nível nacional.

Assim, em Portugal, devemos continuar a apostar em duas frentes: na formação dos clínicos – que de acordo com o presente estudo estão na sua maioria (81,8%) interessados em obtê-la – para que a VCE possa ser implementada num maior número de hospitais, e na divulgação dos hospitais que a realizam, para que as grávidas com indicação possam ser referenciadas para os mesmos, tendo oportunidade de realizar a manobra e maior probabilidade de ter um parto vaginal.

Por Nuno Clode | Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital CUF Torres Vedras

A evidência mostra que a identificação de grávidas com risco de acretismo placentário, porque permite o envio atempado da gestante a um centro com recursos humanos e materiais passiveis de lidar com o caso, diminui o risco de complicações maternas no parto e, muito em particular, da morbilidade associada à hemorragia maciça. O objectivo deste trabalho foi o de avaliar a importância da ecografia transvaginal em prever os desfechos obstétricos  em grávidas com elevada probabilidade de terem acretismo placentário

Trata-se de uma analise  retrospectiva em que foram avaliadas imagens obtidas (menos 2 semanas antes do parto) por ecografia transvaginal em 111 grávidas de feto único com pelo menos uma cesariana anterior e com existência de placenta prévia ou placenta anterior baixamente inserida.  Quando comparada com a avaliação transabdominal, a avaliação ecográfica transvaginal previu melhor a necessidade de histerectomia por maior capacidade de avaliar a espessura do segmento inferior do útero, alterações da estrutura e vascularização cervical e presença de lacunas placentárias.

Apesar das limitações associadas ao tipo de estudo (retrospectivo) e ao facto dos avaliadores dos exames ecográficos desconhecerem o contexto clínico das gestantes (sempre importante na avaliação de risco deste tipo de gestações), os autores concluem que a avaliação ecográfica em grávidas com alto risco de do especto de acretismo placentário deve ser sempre incluída no protocolo pré-operatório.

Por Magda Magalhães | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia. Serviço de Obstetrícia – Centro Hospitalar Universitário de São João

A restrição seletiva de crescimento intra-uterino (RCIUs) complica 10-15% dos gémeos monocoriónicos-biamnióticos. A sua classificação em 3 tipos tem por base, apenas, o fluxo telediastólico na artéria umbilical (FTD-AU).  Recentemente, com o objetivo de melhor prever o desfecho da fotocoagulação a laser (FL) foi proposta uma subclassificação para a RCIUs tipo II, em IIA e IIB, baseada na ausência ou presença de alterações no Doppler do ducto venoso (DV) e/ou do pico da velocidade sistólica da artéria cerebral média (ACM) do feto restrito.

A RCIUs tipo II (FTD-AU persistentemente ausente/reverso) associa-se a comprometimento cardiovascular progressivo e morte do feto restrito em até 45% dos casos. Apesar de apresentar uma evolução mais previsível, o seu agravamento não segue a exata cronologia da RCIU na gravidez única, quer pela desigualdade de partilha vascular, quer pela presença de anastomoses placentárias. A maioria dos centros opta por uma abordagem expectante ou pela terminação seletiva do gémeo restrito.

Este estudo, coorte retrospetivo, multicêntrico internacional, decorrido entre 2006 e 2020, teve por objetivo avaliar o desfecho da FL nas RCIUs tipo II e encontrar critérios de elegibilidade que permitam identificar os candidatos que mais beneficiem desta terapêutica.

Após tratamento da totalidade dos fetos com FL (n=98), os fetos com RCIUs tipo IIA apresentaram uma sobrevida aos 30 dias de idade significativamente maior comparativamente às RCIUs tipo IIB (46,4% vs 23,8%; P=0,034). Não obtiveram diferenças estatisticamente significativas na taxa de sobrevivência do feto maior (87.5% vs 88.1%; P =1,00). Após ajuste à idade gestacional (IG) no diagnóstico, IG na intervenção e diferenças de estimativa de peso fetal esta diferença significativa mantém-se.

A avaliação pré-procedimento do DV e ACM ajudará a identificar o subgrupo de casos, entre os fetos com RCIUs tipo II, com maior risco de morte fetal após realização de FL.

Por Rita Silva | Assistente Hospitalar de Obstetricia e Ginecologia // Assistente convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

 

A síndrome de HELLP (hemolysis, elevated liver enzymes, and low platelets) ocorre em cerca de 0,5% de todas as gestações e complica cerca de 15% dos quadros de pre-eclâmpsia grave. Ocorre sobretudo no terceiro trimestre da gravidez (63%) e pós parto (25%). O seu diagnóstico pode ser desafiante e as principais consequências clínicas relacionam-se com morbilidade e mortalidade maternas, que podem ditar um desfecho trágico caso não se intervenha atempadamente. O tratamento passa pela terminação da gravidez.

A síndrome de HELLP antes das 23 semanas é uma entidade rara e por isso menos caracterizada. Os autores deste trabalho realizaram uma revisão sistemática da literatura pretendendo caracterizar a apresentação clínica, evolução da doença e respetivos desfechos obstétricos e neonatais.

Como principais conclusões salienta-se: uma idade gestacional mediana ao diagnóstico de 18 semanas [13-23]; 56% dos diagnósticos foram efetuados antes das 20 semanas. Como comorbilidades a destacar: de síndroma de anticorpo anti-fosfolípido (SAAF) (14%), gravidez molar parcial (9%). Ao diagnóstico os sintomas mais prevalentes foram dor abdominal (78%) hipertensão (65%), náuseas/vómitos (36%), cefaleia (29%) e edema (18%). Descritas como mais frequentes as complicações hepáticas (23%), neurológicas (20%) e respiratórias (20%). A quase totalidade dos casos de enfarte hepático (5/6) tinham diagnóstico concomitante de SAAF. A lesão renal aguda ocorreu em 7% dos casos, reversivel em 100%.

A mortalidade perinatal foi de 73% e nesta serie registou-se 1 caso de morte materna (2%), com diagnóstico às 23 semanas e rápida evolução para eclâmpsia e paragem cardíaca, complicada por falência multiorgânica. A utilização de corticosteróides não melhorou os desfechos maternos ou neonatais.

Atendendo à raridade desta entidade e ao impacto tão significativo que o seu diagnóstico acarreta, este trabalho auxilia a gestão clínica e o aconselhamento aos casais perante o diagnóstico de síndrome de HELLP antes das 23 semanas.

Por Joana Barros | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia // Serviço de Obstetrícia – Hospital da Luz – Lisboa 

 

O virus sincicial respiratório (VSR) é responsável por elevada morbilidade e mortalidade em lactentes. Estima-se que em 2019 o VSR foi responsável por 1 em cada 28 mortes em crianças entre os 28 dias e os 6 meses.

A imunização durante a gravidez pretende diminuir a gravidade da doença no lactente, bem como hospitalização e morte após infeção. Neste sentido, durante a gravidez, preconiza-se atualmente a vacinação contra o vírus influenza, tétano, tosse convulsa e COVID-19.

Recentemente, foi aprovada uma vacina para o VSR para administração na gravidez, desenvolvida pela Pfizer. Trata-se de uma vacina de subunidade proteica recombinante bivalente, que deve ser administrada em dose única de 120 μg a grávidas entre as 32 e 36 semanas de gestação.

A Sociedade de Medicina Materno-Fetal apoia a recomendação do CDC de conferir proteção a todos os lactentes contra a infeção do trato respiratório inferior associada ao VSR, seja através da imunização das grávidas (vacina preF Pfizer) ou imunização direta aos lactentes com o anticorpo monoclonal nirsevimab.

A vacina preF VSR deve ser administrada sazonalmente em grávidas entre as 32+0 e 36+6 semanas de gestação (setembro a janeiro). Deve continuar a ser priorizada a vacinação da população grávida contra a gripe sazonal, COVID-19 e tétano pelo risco concomitante de doença materna. Não existem ainda dados concretos sobre a co-administração da vacina preF VSR com as restantes vacinas recomendadas durante a gravidez, pelo que se pode considerar atrasar a sua administração.

Os profissionais de saúde devem informar as grávidas sobre os benefícios da vacinação incluindo a sua elevada eficácia na proteção imediata do lactente, potencial resistência a mutações virais e potencial imunidade através da amamentação. Contudo, os dados disponíveis não permitem ainda estabelecer ou excluir a eventual associação a parto pré-termo.

Por Ana Portela Carvalho |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia. Serviço de Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa.

 

A prematuridade constitui, ainda hoje, uma das complicações mais temidas em Obstetrícia. Apesar de apenas 1.5% dos nados-vivos terem menos de 32 semanas de gestação à data do parto, representam uma elevada percentagem dos internamentos nas unidades de cuidados intensivos neonatais, bem como acarretam um elevado risco de morbilidade a curto e longo prazo. O papel da via de parto na prematuridade extrema e moderada está ainda pouco estabelecido.

O objetivo desta revisão sistemática e metanálise foi de rever a evidência disponível relativamente ao papel da via de parto nos desfechos perinatais nesta população. Foram incluídos 27 estudos retrospetivos, correspondendo a um total de 22887 recém-nascidos, todos de gestações de feto único.

Verificou-se um aumento significativo da mortalidade neonatal nos partos vaginais antes das 28 semanas (odds ratio [OR] 1.87; intervalo de confiança a 95% [IC], 1.05-3.35), sendo este efeito particularmente devido ao subgrupo dos fetos pélvicos (OR 3.55; IC 2.42-5.21). Relativamente aos partos com prematuridade moderada (entre as 28 e 32 semanas de gestação), a via de parto apenas se associou a um aumento da mortalidade perinatal no grupo dos fetos pélvicos (OR 3.06; IC 1.47-6.35). Não foi observado nenhum efeito estatisticamente significativo na mortalidade neonatal e perinatal de acordo com a via de parto nos fetos cefálicos em qualquer idade gestacional.

Como limitações deste estudo, salienta-se, por um lado, o facto de apenas terem sido incluídos estudos não-randomizados, aumentando assim o risco de viés de seleção; por outro, a escassez de dados dificultou a análise de potenciais confundidores. Contudo, trata-se de uma meta-análise exaustiva na avaliação dos desfechos perinatais abaixo das 32 semanas.

O parto por cesariana nos fetos pélvicos abaixo das 32 semanas de gestação parece reduzir a mortalidade neonatal e perinatal, mas o mesmo não foi demonstrado nos fetos cefálicos.

Por Maria Carvalho Afonso |  Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia / Assistente convidada de Obstetrícia e Ginecologia – Faculdade de Medicina de Lisboa 

 

A conduta mais adequada perante uma grávida com febre intraparto isolada continua por se estabelecer. Este estudo retrospectivo visou comparar os desfechos maternos, neonatais e microbiológicos da administração de antibióticos em mulheres com febre intraparto isolada e aquelas com corioamnionite clínica. Foram incluídas mulheres em trabalho de parto a partir das 34 semanas de gestação, independentemente da colonização pelo Streptococcus do grupo B, avaliando-se casos de febre intraparto isolada (tratadas com ampicilina) e corioamnionite clínica (tratadas com ampicilina e gentamicina).

Os resultados revelaram que mulheres com febre intraparto isolada apresentaram taxas mais elevadas de endometrite puerperal e sépsis neonatal precoce em comparação com as que tinham corioamnionite clínica (8,8% vs 3,9%, p=0,03 e 4,4% vs 0,4%, p=0,005, respetivamente). A análise multivariável mostrou que a febre intraparto aumentava o risco de endometrite puerperal (OR 2,65, IC 95% 1,06 – 6,62) e sépsis neonatal precoce (OR 8,33, IC 95% 1,04 – 66,60). Além disso, observou-se que mulheres com febre intraparto tinham taxas mais elevadas de resultados positivos em zaragatoas das membranas corioamnióticas (63,9% vs 46,3%; p<0,001) e maior percentagem de agentes resistentes à ampicilina (48,9% vs 35,4%; p=0,033), comparativamente a mulheres com corioamnionite clínica. O agente mais frequentemente isolado, em ambos os grupos, foi a Escherichia coli.

Com base nestes resultados, os autores sugerem que a febre intraparto pode ser uma manifestação inicial de corioamnionite clínica, devendo-se equacionar a terapêutica com ampicilina e gentamicina neste contexto. No entanto, é necessário estudos clínicos adicionais destinados a determinar o tratamento apropriado da febre intraparto isolada.