SUGESTÃO DA SEMANA

Comentário de um especialista convidado a um artigo científico publicado

  • Sugestão da Semana 2020

  • Sugestão da Semana 2021

  • Sugestão da Semana 2023

  • Sugestão da Semana 2024

Por Ana Luísa Areia | Serviço de Obstetrícia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra / Universidade de Coimbra – Faculdade de Medicina

 

O objetivo deste estudo foi avaliar em mulheres com rotura prematura das membranas pré-termo (PPROM) às 34 semanas efetuar terapêutica expectante (TE) até às 37 semanas versus parto imediato, em termos de resultados clínicos e custo-eficácia.

Através dum modelo de custo-eficácia, compararam-se os resultados clínicos incluindo morte fetal, sépsis e morte neonatal, atraso no desenvolvimento neurológico, recém-nascido saudável, sépsis e morte materna, custos e anos de vida ajustados para a qualidade (QALY). As variáveis foram obtidas da literatura e foi estabelecido um limiar de custo-eficácia de 100.000 dólares por QALY.

Os resultados deste modelo revelaram que a TE produziu menos mortes neonatais e menos casos de atrasos neonatais no desenvolvimento neurológico. No entanto, originou mais casos de sépsis neonatal e de sépsis materna. Assim, a TE demonstrou ser a estratégia dominante ao proporcionar mais saúde (3.531 QALY) com um custo menor (poupança de 71,9 milhões de dólares por ano). A análise da sensibilidade demonstrou que a TE era rentável até um custo semanal da admissão anteparto de $17.536 ou um risco de septicemia materna na sequência de infeção intra-amniótica atingir 20%.

Este estudo é único uma vez que o modelo considera o aumento dos riscos e as diferenças de custos associados a cada semana adicional que se prolonga a gravidez com TE; além disso, apresenta resultados robustos e com importante significado clínico, não se restringindo a uma população particular. Como limitações podemos realçar que não foram contempladas todas as possíveis morbilidades perinatais e os dados utilizados nos modelos foram os publicados na literatura, passíveis de viés.

Como conclusão, este modelo demonstrou que a TE da PPROM com 34 semanas produziu melhores resultados e a um custo inferior ao do parto imediato. Esta análise é importante e oportuna à luz de estudos recentes que sugerem melhores resultados neonatais com TE.

Por Ana Paula Machado | Assistente Hospitalar Graduada Ginecologia/Obstetrícia, Centro Hospitalar Universitário S. João

 

A corticoterapia antenatal com o objetivo de acelerar a maturidade pulmonar do feto, tem a sua eficácia estabelecida na diminuição da dificuldade respiratória do recém-nascido pré-termo, com redução da necessidade de suporte ventilatório e admissão em Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN). No entanto, não é claro se esta terapêutica se mantém benéfica ou mesmo se é potencialmente prejudicial, quando os recém-nascidos que a receberam chegam a termo. A evidência que tem surgido na literatura aponta para a possível existência de agravamento da função pulmonar nas crianças expostas a corticoterapia antenatal, facto que deve condicionar a ponderação do seu início nas situações em que possa não acontecer um nascimento pré-termo.

Este estudo retrospetivo pretende comparar os desfechos a curto prazo de crianças nascidas a termo, cujas mães, em contexto de ameaça de parto pré-termo, foram submetidas (ou não) a ciclo de corticoterapia com betametasona. Foram avaliadas 5330 grávidas, das quais 1459 (27,4%) receberam corticoides e 3871 não receberam. As grávidas submetidas a corticoterapia tiveram o diagnóstico de ameaça de parto pré-termo às 32,2 semanas e o parto às 38,4 semanas, comparativamente com as que não receberam, que tiveram o diagnóstico às 33,0 semanas e parto às 39,1 semanas (p<0.001). Após ajustamento para múltiplas variáveis confundidoras, os recém-nascidos expostos a corticoterapia apresentavam significativamente maior probabilidade de serem leves para a idade gestacional e maior risco de admissão em UCIN. O risco de taquipneia transitória foi semelhante entre os grupos.

Assim, e em concordância com muita literatura já publicada, considera-se cada vez mais real a possibilidade de existirem efeitos nefastos associados à exposição a corticoterapia antenatal. Atendendo a que muitas das grávidas com o diagnóstico de ameaça de parto pré-termo vão, efetivamente, ter um parto a termo, a utilização desta terapêutica deve ser ponderada e não iniciada de imediato em todas as situações.

Por Nuno Clode | Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia e Ginecologia / Hospital CUF Descobertas

 

A importância do Índice de Massa Corporal (IMC) materno para o sucesso da versão cefálica externa (VCE) tem sido alvo de controvérsia havendo estudos que demonstram que não interfere e outros que mostram que o diminui. Um dos factores que pode ter contribuído para os resultados obtidos é o de serem séries de um único centro e de, por isso, ter havido um viés de seleção. Assim, para conhecer a associação entre o IMC e o sucesso da manobra os autores fizeram um estudo retrospectivo em que analisaram 2331 VCE feitas em 7 centros do Sudoeste da Suécia entre 2014 e 2019.  Todos os procedimentos foram realizados a partir das 36 semanas e sempre sob tocólise; não foram consideradas repetições da manobra.

Os autores obtiveram uma taxa de sucesso de VCE de 53,4% e quer na população com excesso de peso (27,8%) como na obesa (IMC≥30kg/m2; 16,5%) não houve diferença significativa nessa taxa quando comparada com a população de grávidas com peso adequado quando ajustados os factores de idade materna, paridade, localização placentária e posição do polo cefálico antes da execução da VCE.

Aparentemente, na Suécia, a população a quem é oferecida VCE não a recusa. Desta forma, os resultados não apresentam viés de seleção; os autores consideram como pontos fortes terem sido excluídas repetições da manobra assim como a dimensão da amostra.  As limitações decorrem das características do estudo – ser retrospectivo -, do pequeno número de gravidas com IMC ≥ 35kg/m2 e de não ter sido possível saber da experiência do executante.

A obesidade materna não parece influenciar negativamente o sucesso da VCE. Esta conclusão pode encorajar, quer os médicos/enfermeiros quer as grávidas, a tomar a decisão de realizar a manobra na população de grávidas obesas.

Por Susana Santo | Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia e Ginecologia – Serviço de Obstetrícia – Hospital de Santa Maria – CHULN / Professora Auxiliar da FMUL

 

A rotura prematura de membranas (RPMPT) complica cerca de 3% das gestações, sendo uma causa importante de parto pré-termo. A atitude expectante, com indução do trabalho de parto às 36-37 semanas, é geralmente a conduta preconizada na RPMPT. Em alguns países, as grávidas com RPMPT são vigiadas em regime de ambulatório. Diversos estudos têm demonstrado que, em casos selecionados, esta conduta é segura e pode ter um impacto positivo no tempo de latência até ao parto.

O presente estudo pretendeu identificar os fatores associados a um menor tempo de latência até ao parto, em grávidas vigiadas em ambulatório. É um estudo retrospetivo, realizado num único centro hospitalar, tendo sido avaliado o número de dias até ao parto e calculado um ratio inovador que foi o ratio de latência (razão entre tempo de latência real e a latência expectável até ao momento da indução), que parece ter maior relação com os desfechos neonatais. Foram incluídas 234 grávidas, que eram inicialmente internadas, realizavam indução da maturidade fetal com corticoides, antibiótico e tocólise, se necessário. Ao fim de 5-7 dias após a RPMPT era ponderada a possibilidade de alta para o domicílio (se ausência de infecção, dilatação inferior a 3cm, residência a menos de 30min do hospital). O tempo médio de latência foi de 35.5 ± 20.7 dias, com um ratio de latência de 80%. Um ratio de latência baixo esteve associado a oligoâmnios (maior lago <2cm), idade gestacional da RPMPT, contagem de leucócitos <12×109/l e PCR >5mg/l aos 7 dias após rotura. O comprimento do colo não se associou a um tempo de latência mais curto.

Em casos selecionados a grávida com RPMPT pode ser vigiada em ambulatório e a existência de oligoâmnios deve ser tida em conta no aconselhamento ao casal e na decisão da vigilância em regime ambulatório vs hospitalar.

Por Carla Ramalho, MD, PhD | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Hospitalar Universitário de São João / Professora auxiliar convidada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

 

O rastreio de pré-eclampsia no primeiro trimestre, combinando marcadores biofísicos e bioquímicos, possibilita a identificação e tratamento das grávidas com risco aumentado, condicionando uma redução de cerca de 60% na pré-eclampsia pré-termo. A eficácia aparentemente superior da PlGF em comparação com a PAPP-A nos modelos de rastreio tem sido questionada pela possível influência da toma de aspirina pelas grávidas com PAPP-A baixo. Este estudo pretendeu comparar a eficácia do rastreio combinado da pré-eclampsia utilizando PlGF ou PAPP-A ajustados para o efeito de aspirina.

Neste estudo, com 25226 grávidas incluindo 194 que desenvolveram pré-eclampsia pré-termo, os autores aplicaram um método estatístico (imputation) para eliminar o viés da toma de aspirina nos casos com PAPP-A baixo.

Para uma taxa de deteção de pré-eclampsia pré-termo de 10%, comparado com o rastreio por fatores de risco maternos a PAPP-A aumentou a taxa de deteção em apenas 5%, enquanto combinando os fatores de risco com a TA e a avaliação das artérias uterinas a PAPP-A não melhorou a taxa de deteção. Por outro lado, a PlGF melhorou a taxa de deteção em cerca de 20% quer quando se utilizaram apenas fatores de risco maternos quer quando estes foram associados à TA, e combinando também a avaliação das artérias uterinas o aumento foi de cerca de 7%. Para qualquer combinação de marcadores utilizados, a eficácia da PlGF foi significativamente superior à eficácia da PAPP-A. O desempenho superior da PlGF em relação à PAPP-A persistiu após o ajuste para a ingestão de aspirina.

Em conclusão, este estudo permite afirmar que a PlGF é um marcador útil e superior à PAPP-A nos moledos combinados de rastreio de pré-eclampsia. Já a PAPP-A é um mau marcador que se mostrou útil apenas em associação com os fatores de risco maternos.

Por Rita Mendes Silva | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – Serviço de Obstetrícia / Hospital Santa Maria – CHLN

 

A vacinação contra a COVID 19 durante a gravidez tem dado provas consistentes do seu benefício e segurança. Contudo, é ainda um tema gerador de ansiedade junto das grávidas, sendo comum a vontade de protelar a vacinação para depois do parto.
Este relatório epidemiológico traz-nos uma análise retrospetiva multicêntrica acerca da administração de vacinas contra a COVID-19 numa população de grávidas norte-americanas entre Maio de 2020 e Julho de 2021 e avalia o impacto na ocorrência de parto pré-termo (PPT; <37 semanas) e de recém-nascidos leves (<p10) para a idade gestacional (LIG).
Foram incluídas nesta análise 46.079 grávidas, das quais 10.064 vacinadas com pelo menos 1 dose (Pfizer-BionTech/Moderna/Janssen) durante a gravidez. A maioria das mulheres foram vacinadas a partir do segundo (n=3.668) e do terceiro trimestre (n=6.224), com apenas 172 casos com vacinação no primeiro trimestre, pelo que a análise não englobou este último subgrupo.
A prevalência global de PPT e LIG foi de 6.6 e 8.2/100 recém-nascidos vivos, respetivamente e não se verificou um aumento do risco destes desfechos com a vacinação, quer globalmente, quer após estratificação por marca comercial ou pelo número de doses administradas.
Como pontos fortes deste trabalho destaco a atualidade do tema e o elevado número de grávidas incluídas. No entanto, são várias as limitações nomeadamente o seu cariz retrospetivo, a ausência de informação em relação a eventuais fatores de confundimento (antecedentes de parto pré-termo e/ou infeção prévia por SARS-COV2), a reduzida taxa de vacinação no primeiro trimestre, a não abrangência de mulheres submetidas a reforço de vacinação para a COVID19 e a não avaliação de outros desfechos obstétricos.

Apesar de todas estas limitações, este relatório contribui para um aconselhamento mais esclarecido das grávidas relativamente à segurança da vacinação contra a COVID19 durante a gravidez no 2º e 3º trimestres.

Por Sara Tavares | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia / Hospital Particular do Algarve

 

A realização de ensaios clínicos na gravidez levanta por si só bastantes dificuldades, particularmente quando se tratam de terapêuticas novas. A exclusão de grávidas dos ensaios clínicos não só constitui uma desigualdade como promove o desinvestimento na correta caracterização de eventos adversos tanto na grávida quanto no feto. Desinvestimento esse que acaba também por contribuir para o afastamento das grávidas de ensaios clínicos uma vez que dificulta a correta interpretação dos achados nos mesmos.

Com o intuito de melhorar a monitorização de segurança de novas drogas e intervenções na gravidez e permitir uma melhor compreensão dos riscos associados, tanto maternos quanto fetais, os autores desenvolveram uma terminologia para eventos adversos.

O grupo de autores foi escolhido de forma a abranger de uma forma global diferentes áreas geográficas e de especialização. Entre os anos de 2015 a 2019 foi desenvolvido um processo de consenso através da uma abordagem Delphi, após uma extensa revisão da terminologia já existente. Foram identificadas lacunas e criadas novas classificações nomeadamente uma classificação de gravidade de evento adverso fetal.

Apelidado de MFAET version 1.0 este conjunto de definições de eventos adversos descreve 12 eventos adversos maternos e 19 eventos adversos fetais incluindo também critérios de gravidade.

Os pontos fortes deste artigo baseiam-se na revisão meticulosa da literatura existente com o objetivo de identificar falhas existentes. A introdução de uma classificação de gravidade nos eventos fetais permite diminuir a subjetividade na interpretação de resultados. Tanto a natureza internacional do grupo de autores como a inclusão no processo, não só de clínicos, mas também de investigadores e outros representantes, nomeadamente da indústria, conferem robustez ao trabalho desenvolvido.

Os autores salientam a necessidade de não interpretar este novo sistema de classificação como definitivo uma vez que existem ainda critérios tanto fetais quanto maternos que não foram incluídos nesta classificação.

Por Vera Trocado | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia da Unidade Local de Saúde do Alto Minho – Viana do Castelo / Assistente Convidada da Escola de Medicina da Universidade do Minho

 

A indução do trabalho de parto é um dos procedimentos obstétricos mais efetuados na atualidade. O uso da sonda de Foley na maturação cervical demonstrou ter diversas vantagens relativamente aos métodos farmacológicos, sendo considerado um método eficaz, seguro e com um baixo custo associado.

Esta meta-análise inclui 8 ensaios clínicos randomizados e controlados (740 grávidas), um dos quais português, e reúne a evidência publicada até à data quanto à comparação da aplicação da sonda de Foley em contexto de ambulatório vs. internamento hospitalar. Reporta uma menor duração do internamento no bloco de partos (16,3 ± 9,7 vs. 23,8 ± 14,0 horas) e uma menor taxa de cesarianas (21% vs. 27%) no grupo de aplicação em ambulatório, sem registo de mortes fetais ou neonatais, hiperestimulação uterina ou necessidade de intervenção urgente aquando da admissão hospitalar deste grupo. Desta forma, demonstra que, numa população de baixo risco, a aplicação da sonda de Foley em contexto de ambulatório se associa a uma redução de cerca de 7 horas na duração do internamento no bloco de partos e de cerca de 24% no risco de cesariana, comparativamente à maturação cervical com sonda de Foley em regime de internamento, sem diferenças no que diz respeito aos restantes desfechos obstétricos, maternos ou neonatais. Quanto a limitações a apontar, há alguma heterogeneidade no desenho dos estudos incluídos e não são reportados dados relativamente à satisfação das grávidas ou custos associados, embora os resultados pareçam ser favoráveis nestas áreas.

Este trabalho vem demonstrar que a aplicação da sonda de Foley em regime de ambulatório deverá ser uma alternativa a considerar para a maturação cervical e apresenta ainda uma proposta de protocolo para aplicação deste método, que poderá ser bastante útil para a prática clínica.

Por Magda Magalhães | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia / Serviço de Obstetrícia – Centro Hospitalar Universitário de São João.

 

O parto vaginal após cesariana constitui uma das mais importantes medidas para a diminuição da taxa de cesarianas. A evidência relativamente à idade gestacional ótima para se proceder à indução do trabalho de parto (ITP) é ainda limitada.

O estudo ARRIVE trouxe consigo uma mudança de paradigma ao demonstrar, em grávidas nulíparas de baixo risco, que a ITP às 39 semanas reduz a taxa de cesarianas. Será que esta idade gestacional se expandirá a outras coortes?

O objetivo deste estudo foi comparar os resultados adversos maternos entre grávidas com cesariana prévia submetidas a ITP às 39+0-39+6s versus conduta expectante, definida como parto entre 40+0-41+6s, espontâneo ou induzido.

Este estudo transversal de base populacional recorreu a uma base de dados americana – U.S. Vital Statistics, no período entre 2014 e 2018, incluindo uma amostra de 263.489 grávidas com uma ou duas cesarianas prévias, sem outros riscos associados.

O desfecho primário foi um composto de resultados adversos maternos, incluindo admissão em UCI, necessidade de transfusão, rotura uterina ou histerectomia. O desfecho secundário foi um composto de resultados adversos neonatais: IA <5 aos 5 minutos, ventilação assistida, convulsões ou mortalidade.

Observou-se um aumento significativo dos desfechos adversos maternos e neonatais na coorte com conduta expectante, com um RR de 1,18 (IC 95%, 1,01-1,39) e 1,31 (IC 95%, 1,12-1,53) respetivamente. A análise de sensibilidade demonstrou que o grupo com ITP às 39+0-39+6s e o subgrupo com trabalho de parto espontâneo às 40+0-41+0s apresentam desfechos maternos semelhantes.  A taxa de cesariana foi idêntica entre as coortes (24%).

A dimensão da amostra e a utilização de uma base de dados contemporânea e nacional são pontos fortes do estudo. A redução significativa dos desfechos adversos maternos e neonatais, em grávidas com cesariana prévia submetidas a ITP às 39+0-39+6s, vem reforçar a evidência para uma eventual mudança.

Por Cristina Fadigas |  Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – Unidade de Ecografia – Hospital CUF Descobertas, Lisboa

A agenésia do septum pellucidum (ASP) é uma malformação cerebral, com ausência parcial/completa dos folhetos do septum pellucidum. Pode ser sugestiva de uma anomalia da linha média, conhecida por displasia septo-óptica (DSO) ou síndrome de Morsier, caracterizada por associação variável com ASP, hipoplasia de um/ambos os nervos ópticos e anomalias pituitárias e endocrinológicas; aconselhamento pré-natal é desafiante. Este estudo avalia o desfecho pós-natal das crianças com diagnóstico pré-natal de ASP aparentemente isolada.

Foi utilizada uma coorte retrospectiva de casos com diagnóstico pré-natal de ASP em dois centros terciários e realizada uma meta-análise a combinar os dados desta coorte com dados de outros estudos identificados numa revisão sistemática. Foram analisados os parâmetros: anomalias cromossómicas, concordância entre achados pré/pós-natais, incidência de DSO, incidência de défice neurológico em crianças sem DSO e incidência de DSO em crianças com diagnóstico pré-natal de vias ópticas normais.

Foram identificados 78 casos. 30 fetos fizeram estudo genético (2 anomalias; 9%). Em 9/70 houve achados adicionais/discordantes pós-parto (13.7%). Em 14/78 recém-nascidos, a DSO foi detectada no período pós-natal (19.4%). Em 60 casos, o diagnóstico pré-natal dos trajectos ópticos foi normal e, destes, 6 casos (9.1%) foram diagnosticados como DSO pós-parto. Das 46 crianças sem DSO e com acompanhamento neurológico, 3 (6.5%) apresentaram um défice neurológico major.

A maioria dos casos com diagnóstico pré-natal de ASP isolada tem um prognóstico favorável. Porém, 14% dos casos tem uma anomalia associada detectada pós-parto, que tem impacto clínico negativo. Assim, deve realizar-se um exame detalhado do cérebro e das vias ópticas, estando ciente que o diagnóstico pré-natal de vias ópticas normais, não exclui DSO.

Este estudo tem como ponto forte a metodologia utilizada para identificar estudos relevantes e avaliar a qualidade dos dados. Porém, a amostra é pequena e parte da avaliação dos desfechos foi efectuada por contacto telefónico.

Por Belisa Vides |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim / Vila do Conde

A obesidade materna além de aumentar o risco de doenças metabólicas e cardiovasculares, associa-se a maus desfechos obstétricos. Estudos recentes demonstraram que o tratamento de mulheres com obesidade grave (IMC > 35 Kg/m2) com cirurgia bariátrica (CB) reduz significativamente o risco de complicações obstétricas.

Este estudo coorte retrospetivo comparou, durante 12 anos (Jan/2007 – Dez/2018), em 15 hospitais e 234 clínicas na Califórnia, grávidas com heterogeneidade racial e étnica elegíveis a CB mas não submetidas à mesma (n= 18.327) com grávidas submetidas a CB antes da gravidez (n= 1886) e, posteriormente, com parto após as 20 semanas.

Como resultados, a CB foi associada a uma redução do risco de diabetes gestacional, pré-eclampsia, eclâmpsia, corioamniotite, macrossomia, parto por cesariana, admissão na unidade de cuidados intensivos neonatais e infeção da ferida operatória. A magnitude da associação não variou de forma significativa com a categoria de obesidade pós cirúrgica pré gravidez, o intervalo entre a cirurgia e a gravidez subsequente, a presença de co morbilidades maternas, as diferenças étnicas e raciais e as técnicas cirúrgicas utilizadas (gastrectomia com sleeve vertical vs by pass em Y de Roux).  Por outro lado, também se verificou uma associação da CB a recém nascidos leves para a idade gestacional e hemorragia pós-parto.

Os autores identificam como pontos fortes do estudo o tamanho e heterogeneidade da amostra, a definição clara dos grupos e a análise estratificada por IMC pós CB pré gravidez, co morbilidades maternas e tipo de CB tendo em conta as diferenças adquiridas nos 2 grupos (CB vs sem CB).

Estes dados sugerem que apesar dos benefícios da CB bariátrica prévia á gravidez, deve haver uma monitorização adequada para redução do risco de recém nascidos leves para a idade gestacional e hemorragia pós-parto observados neste grupo.

Por Iolanda Ferreira |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra / Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

A indução de trabalho de parto (ITP) é uma intervenção obstétrica comum, cujo objetivo é promover o parto vaginal. No entanto, cerca de 1/5 das grávidas terminará numa cesariana (CSA). A identificação das grávidas com maior risco de CSA após ITP é importante para o seu aconselhamento, e ajudará na aplicação parcimoniosa das várias técnicas de ITP.

Este estudo pretende avaliar a relação de algumas características materno-fetais com CSA após ITP (idade materna, IMC, índice de Bishop (IB), idade gestacional e peso à nascença). Os motivos de CSA foram divididos em dois grandes grupos, com fisiopatologias distintas: trabalho de parto estacionário (TPE) e estado fetal não tranquilizador (EFNT). Foi efetuada uma análise secundária de dados obtidos a partir de 4 RCTs (PROBAAT trials), usando modelos de regressão logística multivariada.

O risco de CSA por TPE mostrou-se aumentado em mulheres mais velhas (aOR, 1.51 (95% CI, 1.15–1.99), nulíparas (aOR, 8.07 (5.34–12.18), obesas (aOR, 1.06 (1.04–1.08), e recém-nascidos com peso à nascença ≥ p90 (aOR, 4.08 (2.75–6.05)). Estão relacionados com CSA por EFNT a nuliparidade (aOR, 5.91 (95% CI, 3.76–9.28), e peso à nascença < p10 (aOR, 1.93 (95% CI, 1.22–3.05). O IB não demonstrou relação com os motivos de CSA avaliados.

Os pontos fortes deste estudo são a análise de uma grande coorte de grávidas e a separação de CSA por TPE e EFNT. Como pontos fracos destaca-se a limitação da interpretação do IB a mulheres com colo desfavorável; e a utilidade limitada da informação retirada do peso ao nascer.

Este estudo conclui que, enquanto não surgem modelos prognósticos validados de sucesso de ITP, é importante incorporar características chave materno-fetais para melhor caracterizar o risco de CSA após ITP.

Por Inês Martins |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia – Serviço de Obstetrícia – Hospital Santa Maria / CHULN

Reduzir a taxa de prematuridade continua a ser um dos grandes desafios da Obstetrícia. A intervenção medicamentosa com antibioterapia empírica é uma prática estabelecida nos casos de RPM-PT, condição associada a cerca de 1/3 dos casos de PPT, por permitir prolongar a latência até ao parto. Os esquemas antibióticos preconizados são, contudo, díspares entre instituições e muitas vezes de largo espectro, com o objetivo de resolver uma eventual infeção subclínica por agente desconhecido. Sendo cada vez mais evidente a problemática da resistência aos antibióticos, identificar o agente infecioso e dirigir a terapêutica instituída seriam medidas relevantes, sobretudo se associadas à melhoria do desfecho clínico – neste caso o prolongar da latência e redução do PPT.

Este estudo compara a intervenção nos casos de RPM-PT entre dois centros terciários diferentes, englobando 513 grávidas durante 4 anos: intervenção standard com antibioterapia empírica vs intervenção individualizada com realização de amniocentese, avaliação bioquímica e cultural do LA e antibioterapia ajustada aos resultados.  Mostra um aumento significativo da taxa de latência >7dias (41,6 vs 76%, desfecho primário – amostra suficiente) e latência até ao parto, redução do PPT <32 semanas e da necessidade de ventilação do RN ao 28ºdia – sem aumento da corioamnionite histológica. São várias as limitações/confundidores impossibilitando avaliar a que intervenção se deveu a melhoria dos desfechos entre grupos, a destacar: diferentes regimes antibióticos iniciais e diferente abordagem quanto a tocólise e ciclo de resgate da indução maturativa fetal.

São dados relevantes sobre a avaliação do LA: 30,4% com infeção microbiana – destes, 65% a Ureaplasma spp e 15% com necessidade de ajuste da antibioterapia pelo TSA. Conhecer o padrão local de sensibilidade e resistência aos antibióticos do Ureaplasma spp e ajustar a terapêutica empírica nos casos de RPM-PT poderá melhorar os desfechos perinatais? Estaríamos disponíveis e dispostos a fazer esta investigação a nível nacional?

Por Ana Patrícia Domingues |  Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia – Hospital CUF Descobertas – Lisboa

Nesta revisão sistemática e meta-análise é avaliada a sensibilidade da ecografia e da ressonância magnética (RM), comparando o desempenho das duas, no diagnóstico do espectro da placenta acreta (PAS). Incluiu grávidas com fatores de risco para PAS que realizaram ambos os exames, permitindo assim uma comparação das duas técnicas, e foram incluídos 17 estudos (1.301 mulheres) com 457 casos de PAS diagnosticados por análise intraoperatória ou histopatológica.

A meta-análise revelou que os valores combinados de sensibilidade 0,833 (IC 95%, 0,776–0,878) vs 0,838 (IC 95%, 0,786–0,879) e especificidade 0,834 (IC 95%, 0,746–0,897) vs 0,831 (IC 95%, 0,770–0,878), para a ecografia e a RM, respetivamente, foram semelhantes. Não houve diferenças estatisticamente significativas entre as duas técnicas na análise ROC ou na análise de meta-regressão na sensibilidade (Z=–0,436; P=0,663) e especificidade (Z=0,055; P=0,956). Os valores de Q de Cochran indicaram um alto nível de heterogeneidade de sensibilidade e especificidade de ambas as técnicas entre os estudos.

Entre as limitações reportadas encontramos o facto de todas as mulheres nos estudos incluídos terem fatores de risco importantes para PAS, a abordagem da amostragem que pode ter levado a uma superestimação da precisão dos testes e a realização das técnicas em centros especializados que geralmente contam com profissionais altamente diferenciados e qualificados.

De acordo com este trabalho, a ecografia e a RM têm desempenhos idênticos no diagnóstico de PAS em mulheres de alto risco, e apesar da cautela na interpretação destes achados (dada a significativa heterogeneidade encontrada quer na população incluída, quer na metodologia entre os estudos), estes resultados sugerem que, no caso de alta prevalência de fatores de risco, a escolha do modo de imagem deve ser baseada na disponibilidade de equipamentos e na experiência dos operadores/centros.

Por Alexandra Cadilhe |  Assistente Graduada de Obstetrícia. Unidade de Medicina Fetal e Diagnóstico Pré-Natal / do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de Braga 

As cardiopatias congénitas são as malformações estruturais mais prevalentes (8/1000 fetos) e a sua morbimortalidade pode ser alterada por um diagnóstico pré-natal precoce. O objetivo deste trabalho foi determinar a precisão diagnóstica da ecografia das 11-14 semanas na deteção de cardiopatias major na sua globalidade e individualização, e avaliar fatores com impacto nas taxas de deteção.

Realizou-se uma meta-análise de 63 estudos com um total de 328.214 fetos estudados.  Identificaram-se 1445 anomalias cardíacas na população de baixo risco – prevalência de 0,41%. Os casos diagnosticados no 1º trimestre representaram 63,67% do total de cardiopatias com diagnóstico pré-natal. Na população de alto risco, identificaram-se 480 anomalias, a que corresponde uma prevalência de 1,36 %, e 79,86% do total de cardiopatias diagnosticadas no período pré-natal.  Foram fatores importantes para as taxas de deteção o tipo de anomalia cardíaca e a utilização de protocolos de estudo mais minuciosos com visualização das quatro câmaras, dos tratos de saída e utilização de Doppler colorido. As maiores taxas de deteção observaram-se em estudos realizados em hospitais de cuidados terciários e universitários com elevado nível de formação e diferenciação dos operadores, maior disponibilidade de tempo para a realização dos exames e utilização de ecógrafos de alta resolução.

Este artigo permite perceber que, com as condições e protocolos adequados, é possível a identificação de mais de metade das anomalias cardíacas na ecografia no primeiro trimestre mas é improvável que esta seja capaz de detetar todos os fetos com cardiopatias. A implementação de protocolos para o estudo morfológico do coração no exame ecográfico do primeiro trimestre otimiza a deteção precoce de anomalias cardíacas, principalmente na população de baixo risco.

O foco do rastreio do primeiro trimestre deve ser a deteção de anomalias major que possam ter impacto na tomada de decisões, com consequente aconselhamento e orientação nos cuidados pré-natais.

Por Carla Marinho |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia. Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, Penafiel 

A distinção entre restrição de crescimento fetal (RCF) e fetos constitucionalmente pequenos é um desafio com que frequentemente nos deparamos e que tem implicações clínicas importantes, nomeadamente na adequação da vigilância e no timming de terminação da gravidez.

Uma das principais ferramentas a que recorremos para efetuar essa distinção é a avaliação Doppler feto-placentária. Os autores procuraram determinar a precisão da avaliação Doppler feto-placentária na deteção ou exclusão de RCF mediada por placenta em fetos pequenos para a idade gestacional.  Realizaram um estudo de coorte retrospetivo que incluiu todas as grávidas (feto único) com diagnóstico de feto pequeno para a idade gestacional (definido como peso fetal estimado <p10) dum único centro de referência num período de 10 anos e das quais dispunham informações sobre o Doppler da artéria umbilical (AU) e artéria cerebral média (ACM) nas 2 semanas anteriores ao parto e dados sobre o exame anátomo-patológico da placenta.

Os resultados demonstraram que a presença de Doppler normal da AU e ACM é precisa na exclusão de RCF devido a patologia placentária associada a má perfusão vascular materna, mas tem um valor limitado na exclusão de RCF devido a outras patologias placentárias como a vilite de etiologia desconhecida ou má perfusão vascular fetal.

Embora estes achados suportem a avaliação Doppler para identificar RCF devido a má perfusão vascular materna, devemos ter em atenção que aproximadamente 15% dos fetos pequenos com Doppler normal podem ter uma RCF devido a outra patologia placentária que não a má perfusão vascular materna.

Destacam-se como pontos fortes deste estudo o tamanho da amostra e o facto de todos os exames placentários terem sido realizados de forma cega relativamente aos achados de Doppler, num único centro e de forma padronizada. Como ponto menos positivo aponto a não inclusão da avaliação Doppler das artérias uterinas.

Por Fernando Jorge Costa |  Assistente Hospitalar Graduado de Obstetrícia e Ginecologia / Serviço de Obstetrícia A – CHUC

A hemorragia pós-parto (HPP) mantém-se como causa muito significativa de mortalidade materna a nível global e com incidência crescente.

Este trabalho analisa o risco de recorrência da HPP num contexto temporal longo (50 anos) e relaciona-o com o peso de nascimento e género do recém-nascido, influência paterna vs materna.

O estudo utilizou a base nacional de registos de nascimentos da Noruega, desde 1967. Englobou quase 3 milhões de partos (acima das 22 semanas), de 1967 a 2017.

A HPP ocorreu em 10% dos partos, com uma taxa de cesarianas de 11%. A recorrência é maior nos partos vaginais e, nestes, as induções não alteram os resultados.

O risco de recorrência da HPP é de três vezes num segundo parto e aumenta para o terceiro.

O peso fetal acima de 4000g está diretamente relacionado com maior risco de HPP (fator multiplicativo de 4 dos 4Kg para os 5Kg de peso ao nascimento).

O risco é maior com fetos femininos, mesmo ajustados ao fator peso.

A recorrência de HPP é também superior se o pai é o mesmo, embora com baixo peso estatístico.

Como pontos fortes sublinhamos a amplitude do estudo (numérica e temporal), permitindo uma análise por sub-grupos e validação. Como pontos fracos apontamos os registos serem mais completos apenas após 1999 e a introdução de alguns bias em função de protocolos de prevenção (por exemplo o ácido acetilsalicílico após gestações com pré-eclâmpsia).

Concluímos sublinhando a importância da possibilidade de recorrência na vigilância de grávidas e parturientes com antecedentes de HPP e fetos macrossómicos.

Por Renato Silva Martins |  Assistente Hospitalar Graduado de Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar e Universitário da Cova da Beira – Covilhã
Professor Convidado – Faculdade de Ciências da Saúde Universidade da Beira Interior – Covilhã

As redes neuronais artificiais na área da imagem ecográfica revelam um enorme potencial providenciando um aumento na rapidez e sensibilidade diagnóstica destes exames. Neste artigo, publicado por Lin. e seus colaboradores, é apresentado um sistema de inteligência artificial, PAICS – Prenatal ultrasound diagnosis Artificial Inteligence Conduct System – com aplicação prática que, em tempo real, identifica os diversos planos de estudo e estruturas anatómicas no decurso dos exames de neuro-sonografia fetal.

Este sistema permite com elevada sensibilidade identificar os principais planos anatómicos correctos do exame nomeadamente: o transtalâmico, o transventricular e o transcerebelar. Além disso identifica os marcos anatómicos e estruturas no decurso do exame de rotina como sejam: os ventrículos laterais, a fissura de Sylvian, o cavum do septo pelúcido, o tálamo, o cerebelo e a cisterna magna.

O sistema ainda permite a identificação de algumas das alterações patológicas mais frequentemente identificadas neste tipo de exames desde ventriculomegálias moderadas até à ausência do septo pelúcido.

Para validar este poderoso auxiliar ao exame neuro-sonográfico, este grupo de investigadores segmentou e identificou manualmente cerca de 44 000 imagens do cérebro fetal provenientes de quase 17 000 gestações do 2º e 3º trimestre para validação do sistema criado.

Este sistema consegue assim uma elevada sensibilidade diagnóstica, com uma redução dos tempos de exame. Estamos então perante um potencial e poderoso auxiliar diagnóstico, colocando-nos a questão relevante sobre depois disto o que mais poderemos esperar para o futuro da ecografia fetal de rotina.

Por Mónica Centeno |  Assistente Hospitalar Graduada. Serviço de Obstetrícia – Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução – Hospital de Santa Maria – CHULN

Algumas sociedades científicas recomendam a terapêutica farmacológica da hipertensão arterial crónica na gravidez apenas quando os valores tensionais são superiores ou iguais a 160/110 mmHg. A principal justificação para esta atitude prende-se com o potencial risco de comprometer a perfusão placentária e o crescimento fetal se a pressão arterial estiver abaixo dos 140/90 mmHg nas grávidas com HTA crónica.

Os autores realizaram um estudo multicêntrico randomizado que incluiu 2408 grávidas de feto único com diagnóstico de HTA crónica (diagnosticada previamente à gravidez ou até às 20 semanas de gestação). As grávidas foram randomizadas em 2 grupos: um grupo recebia terapêutica farmacológica para manter a TA < 140/90 mmHg (grupo de tratamento ativo) e o outro apenas fazia terapêutica farmacológica se TA ≥ 160/110 mmHg (grupo de controlo). O desfecho primário era um desfecho composto que incluía: pré-eclâmpsia com critérios de gravidade, parto pré-termo antes das 35 semanas por indicação médica, descolamento prematuro de placenta normalmente inserida, morte fetal ou neonatal. O desfecho de segurança era o peso do recém-nascido inferior ao percentil 10.

Os resultados demonstraram que a incidência do desfecho primário foi inferior no grupo de tratamento ativo (30.2% vs 37%) com um risco ajustado de 0.82 (95%IC, 0.74-0.92) e que a incidência de recém-nascidos com peso < percentil 10 foi idêntica nos dois grupos (11.2% vs 10.4%). Verificaram ainda que a incidência de pré-eclâmpsia e de parto pré-termo foram inferiores no grupo de tratamento ativo com taxas de 24.4% vs 31.1% e 27.5% vs 31.4% respetivamente.

Estes resultados apontam para uma melhoria dos desfechos obstétricos analisados quando se promove um controlo mais estrito da pressão arterial nas grávidas com HTA crónica sem que se verifique um compromisso do crescimento fetal.

Por Neusa Teixeira |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de Braga

A ventriculomegalia (VM) fetal associa-se a um espectro variável de alterações estruturais e genéticas. O prognóstico é variável e depende, primeiramente, da presença de anomalias coexistentes. Na ausência de outras malformações, o prognóstico relaciona-se com a dimensão dos ventrículos, sua progressão e bilateralidade. Perante uma VM impõe-se a realização de ecografia detalhada da anatomia, eventual ressonância magnética, realização de amniocentese (PCR/arrays) e despiste de infeção fetal.

Através de um estudo observacional prospetivo (janeiro 2011-julho 2020), que incluiu os casos referenciados por VM, os autores apresentam a experiência de um centro de referência europeu quanto ao grau da VM (ligeira 10–12mm, moderada 13-15mm, grave >15mm), se isolada ou com anomalias estruturais/cromossómicas/genéticas associadas e taxas de sobrevida perinatal.

213 fetos foram estratificados em 3 grupos: VM ligeira 42,7%, severa 44,6%, moderada 12,7%. A avaliação ecográfica inicial reportou VM isolada em 45,5%(n=97) e em 54,5%(n=116) foram encontradas anomalias estruturais associadas. A VM mostrou-se isolada em 54,9% dos casos de VM ligeira, 40,7% na moderada e em 16,8% na grave (P>0,05). A taxa de anomalias do SNC associadas no grupo da VM grave foi significativamente maior (52,6%), comparativamente à ligeira (14,3%) e moderada (18,5%). A taxa de alterações genéticas/cromossómicas foi de 16,4%, sendo similar nos 3 grupos(35/213). Após protocolo de investigação completo, a taxa de VM isolada diminuiu para 36,1% e a sobrevida global foi de 85,6%. Transversal aos 3 grupos, a sobrevida mostrou ser superior na VM isolada e inferior na VM grave. Os resultados, na generalidade, são sobreponíveis aos da literatura.

Como ponto forte, e principal achado deste estudo, de referir, a diminuição da taxa de VM isolada após realização de investigação etiológica (45,5% para 36,1%).

Em suma, o aconselhamento aos casais deve sublinhar que na VM aparentemente isolada, existe a possibilidade de diagnosticar alterações estruturais e/ou genéticas adicionais em até 10% dos fetos.

Por Joana Barros |  Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia, Serviço de Obstetrícia – Hospital Santa Maria / Centro Hospitalar Lisboa Norte

A tentativa falhada de parto instrumentado é uma situação que todos os obstetras desejam evitar. Perante o insucesso de um parto instrumentado, segue-se a aplicação sequencial de outro instrumento obstétrico ou a realização de cesariana, ambos acrescendo o risco de complicações obstétricas e neonatais.

O objetivo desta meta-análise foi avaliar o efeito da determinação ecográfica da variedade e posição da apresentação fetal, realizada previamente ao parto instrumentado, na incidência de parto instrumentado falhado. Esta foi a primeira meta-análise realizada com este objetivo e pretendeu agregar os estudos mais recentes publicados nesta área. Incluiu 1007 mulheres grávidas, das quais 484 foram submetidas a ecografia previamente à realização de parto instrumentado; contudo, apesar da evidente melhoria na precisão do diagnóstico da variedade e da apresentação fetal, não houve diferença entre os grupos no que diz respeito à taxa de parto instrumentado falhado.

Destaco como principal aspeto positivo desta meta-análise a qualidade dos estudos incluídos. O maior fator limitativo dos resultados obtidos foi o número reduzido de casos, que ficou muito aquém do que seria necessário incluir tendo em conta a incidência dos desfechos obstétricos adversos avaliados.

Em conclusão, e para o futuro, importa compreender de que forma o aumento da precisão do diagnóstico da variedade e posição da apresentação fetal se pode traduzir em melhores desfechos obstétricos, e se existem outros parâmetros ecográficos que devam ser incluídos na abordagem do 2º estadio de trabalho de parto.

Por Naeigal Pereira |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia , Hospital Beatriz Ângelo, Loures

A Pré-Eclâmpsia (PE) afeta globalmente cerca de 4-5% das gestações, sendo das principais causas de morbi-mortalidade materna e perinatal. Embora mais prevalente em gestações de termo, o desafio coloca-se abaixo das 34 semanas, tornando difícil a decisão do parto e o equilíbrio entre as consequências da prematuridade e a evolução do estado materno.

Numa perspetiva clínica, surge a necessidade de modelos e marcadores prognósticos que auxiliem na decisão do tipo de vigilância e timing do parto, sem prejuízo do bem-estar materno e fetal.

Os marcadores bioquímicos placentários são já utilizados na exclusão de PE em casos suspeitos, surgindo evidências sobre o seu contributo no prognóstico de casos confirmados.

O estudo apresentado tem como objectivo definir o papel dos marcadores placentários, fetais e cardiovasculares maternos na previsão dos outcomes adversos materno e perinatal em situações de suspeita e confirmação de PE.

É um estudo prospetivo prognóstico que envolve 126 mulheres, divididas em 2 grupos, com suspeita e diagnóstico de PE, sendo registados os dados demográficos e analisados os marcadores placentários (sFlt-1 e PlGF), fetais (PFE, IP das artérias umbilical e CM e o ICP) e índices hemodinâmicos maternos (PVS da artéria oftálmica, PA média, IP das artérias uterinas). O desempenho destes parâmetros foi avaliado em combinação ou isoladamente na previsão dos outcomes adversos definidos.

Os autores concluíram que o rácio sFlt-1/PlGF demonstrou ser melhor marcador individual na predição do outcome perinatal adverso, sendo esse desempenho menos robusto em relação ao outcome materno e que a adição dos marcadores cardiovasculares maternos e fetais a este modelo, não melhora o desempenho prognóstico deste marcador.

Salientam-se como pontos fortes ser um estudo prospetivo e a ocultação aos clínicos envolvidos do resultado dos marcadores placentários. Como pontos fracos a limitação da amostra e ausência de comparação com um grupo de grávidas normotensas.

Por Miguel Branco |  Assistente Hospitalar Graduado de Ginecologia e Obstetrícia, Serviço de Obstetrícia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

As gestações após cesariana são consideradas de risco elevado, nomeadamente para gravidez em cicatriz de cesariana (CSP) e situações do espectro da placenta acreta (PAS).
A interrupção da gestação é frequentemente ponderada nas CSP, embora estejam reportados casos com evolução favorável. Apesar do impacto clínico deste achado, não existia até à data uma linguagem comum na descrição ecográfica dos achados de CSP.

Recorrendo a um procedimento Delphi, em que um conjunto de peritos são convidados a responder a rondas de questões consecutivas, esta publicação estabelece um consenso no padrão de avaliação e descrição dos achados ecográficos de CSP.

Definiu-se gravidez em cicatriz de cesariana aquela em que o saco gestacional e/ou placenta se inserem no nicho de cesariana ou em contacto com este. Este diagnóstico pressupõe a existência de um nicho e não apenas uma cicatriz de cesariana. Uma gravidez que se implanta perto, mas não em contacto com o nicho de cesariana será denominada gestação com implantação baixa. A avaliação será idealmente por via endovaginal entre a 6ª-7ª semana, mas as recomendações aplicam-se durante o primeiro trimestre.

A CSP deve ser descrita em relação com duas linhas imaginárias, uma passando pela linha endometrial e uma segunda pela serosa uterina. Num plano sagital deve ser medida a espessura do miométrio residual no nicho e também a espessura do miométrio imediatamente adjacente. Não são relevantes outras medidas do nicho.

O doppler cor pode ser útil no diagnóstico diferencial com gestação não evolutiva ou gravidez cervical.

As CSP que se encontram entre as linhas endometrial e serosa ou que ultrapassem esta, assim como as situações de PAS ou placenta inserida no nicho devem ser referenciadas para unidades dedicadas.

Apoiado numa iconografia clara, este trabalho permite uniformização da avaliação ecográfica e nomenclatura da CSP e, assim estratificar os riscos associados.

Por Ana Teresa Martins |  Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia Ginecologia – Centro de Responsabilidade Integrado de Medicina e Cirurgia Fetal – Maternidade Dr. Alfredo da Costa/ CHULC, Assistente Convidada da Nova Medical School – Lisboa

 

O ponto de viragem na monitorização pré-natal da infeção congénita a citomegalovírus (CMV) foi o reconhecimento de que a infeção congênita em crianças afetadas é consequência da embriopatia após a infeção materna no primeiro trimestre de gravidez.

A infeção primária materna (IPM), diagnosticada por serologia materna no início da gravidez, é seguida da administração imediata de valaciclovir (VACV) diminuindo o risco de transmissão vertical, mas o diagnóstico da infeção fetal é feito por pesquisa de CMV no líquido amniótico (LA) a partir das 17 semanas. Este intervalo entre o rastreio positivo e um possível diagnóstico fetal representa uma fonte de ansiedade devastadora.

Com o objetivo de avaliar a viabilidade de amplificação do genoma viral por análise de reação em cadeia da polimerase (PCR) de amostras de trofoblastos obtidas por biópsia de vilosidades coriónicas (BVC) em casos de IPM por CMV no início da gravidez realizou-se este estudo prospetivo. A BVC foi oferecida após CMV-IMP precoce. Todos os casos iniciaram VACV e realizaram amniocentese. A performance diagnóstica do CMV-PCR no trofoblasto foi avaliada, utilizando como padrão de referência a análise PCR do LA.

Efetuaram-se 37 BVC, a CMV-PCR foi positiva em três e negativa em 34. No LA foi positiva em 6 casos (dos quais 3 positivos em BVC) e negativa em 31. A especificidade da análise CMV-PCR do trofoblasto para o diagnóstico de CMV foi de 100% (IC 95%) e o valor preditivo positivo de 100% (IC 95%).

Como limitação a dimensão da amostra. Aguarda–se os estudos em curso, nomeadamente para esclarecimento do prognóstico dos casos discordantes.

Após validação, a BVC poderá vir a ser o teste de diagnóstico seguro (sob VACV) da infeção placentária após IPM precoce, permitindo excluir embriopatia a CMV, ajudando a mitigar a ansiedade dos casais e auxiliar os centros de referência no acompanhamento destas situações.

Por Vanessa Silva |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Senhora da Oliveira – Guimarães e Assistente Convidada da Escola de Medicina da Universidade do Minho

 

Farland et al. realizaram um estudo de coorte retrospetivo com o intuito de avaliar a associação entre antecedentes de endometriose e de miomas uterinos e o risco de desfechos gestacionais adversos. Foram motivados pela elevada prevalência destas patologias (10% das mulheres em idade reprodutiva tem endometriose e 20-40% miomas uterinos) e pelo facto de os estudos prévios terem sido realizados em contexto de procriação medicamente assistida (PMA), o que condiciona a extrapolação dos resultados para a população geral.

Das 91,825 gestações analisadas. 1560 (1,7%) apresentavam antecedente de endometriose e 4212 (4,6%) de miomas uterinos. 30% das mulheres com endometriose e 26% com miomas uterinos experienciaram subfertilidade ou infertilidade sem necessidade de técnicas de PMA para conceber, enquanto 34% e 21% necessitaram de PMA, respetivamente. A endometriose associa-se a maior risco de hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia ou eclâmpsia (risco relativo ajustado (RR) 1,17), anomalias da placentação (RR 1,65), parto por cesariana (RR 1,22) e parto pré-termo (RR 1,24). No mesmo sentido, os miomas uterinos associam-se a maior risco de anomalias da placentação (RR 1,38), parto por cesariana em primíparas (RR 1,17) e parto pré-termo (RR 1,17). Mulheres com endometriose, sem infertilidade não apresentaram risco acrescido de anomalias da placentação. Por outro lado, os recém-nascidos de mulheres não inférteis, com miomas uterinos, apresentaram maior risco de baixo peso ao nascer.

O tamanho da amostra é um ponto forte deste estudo. O seu desenho retrospetivo, a ausência de informação acerca do tipo de mioma, gravidade da endometriose e realização de tratamentos prévios à gestação para estas patologia são limitações. A inclusão de gestações gemelares, associadas a maior morbilidade gestacional e a técnicas de PMA, poderá condicionar um viés. Não obstante, este estudo salienta que mulheres com endometriose e miomas uterinos têm risco acrescido de desfechos gestacionais adversos. Esta evidência poderá justificar o rastreio e tratamento prévio à gravidez destas patologias, bem como um acompanhamento individualizado durante a gestação.

Por Teresinha Simões |  Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia e Ginecologia – Maternidade Alfredo da Costa – CHLC

Estudos recentes sugerem um aumento de duas a três vezes da morbilidade e mortalidade cardiovascular dez anos após uma gravidez simples complicada por patologia hipertensiva. A gravidez gemelar tem um risco 2 a 3 vezes superior de patologia hipertensiva.

Petra M. van Baar et al. fizeram um estudo retrospetivo utilizando os dados do Registo Perinatal dos Países Baixos dos partos gemelares e simples ocorridos entre 1995 e 2015 (LVR2-registry). Destes selecionaram apenas as nulíparas. Cruzaram estes dados com o registo de mortes por doença cardiovascular.

No estudo foram incluídas 1.243 231 nulíparas; destas 30 623 (2,5%) tinham tido uma gravidez gemelar e 1.212 608 (97,5%) uma gravidez simples. Registaram patologia hipertensiva em 9.853 (32,2%) das grávidas gemelares e em 249 141 (20,6%) das grávidas com feto único (p<0.0001).

Verificaram que 14/73 (19.2%) e 335/1,788 (18.7%) foram mortes por patologia cardiovascular no grupo da gravidez gemelar e simples respetivamente. Apenas 10/117 (8.6%) das mulheres com gravidez gemelar sem patologia hipertensiva durante a gravidez morreram por patologia cardiovascular, aHR de 2.85 (95% CI 1.26–6.41; p = 0.01). Quando comparados os dois grupos (gemelar e simples) com patologia hipertensiva na gravidez não se verificaram diferenças com significado estatístico.

Concluíram que a patologia hipertensiva tanto na gravidez simples como na gemelar aumenta de modo semelhante o risco de complicações e morte por doença cardiovascular no futuro.

Um dos pontos fortes do artigo é a dimensão da amostra, contudo foram só incluídas as gravidezes que constavam do LVR2-registry, onde estão apenas registadas as gravidezes vigiadas por obstetras, as gravidezes vigiadas por enfermeiros não constam desse registo. Outra das limitações do estudo tem a ver com o facto de terem incluído gravidezes até 2015 logo com pouco tempo para já existirem complicações cardiovasculares.

Por Sara Vargas |  Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – Serviço de Obstetrícia – Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução / Hospital de Santa Maria – CHLN

 

A identificação de uma causa genética de malformações estruturais fetais viabiliza uma abordagem diferenciada pré e pós natal. Para além disso, possibilita o aconselhamento pré-concecional futuro.

A utilidade prática da realização do exoma fetal tem sido alvo de interesse, principalmente na presença de malformações estruturais quando o cariotipo e o microarray são normais. Ainda assim, identificação de variantes de significado indeterminado e a obtenção de diagnósticos genéticos secundários não deve ser menosprezada.

De acordo com a meta-análise apresentada, a realização deste estudo genético perante um diagnóstico ecográfico de síndrome polimalformativo fetal, identifica uma potencial variante genética patogénica em cerca de um terço dos casos.

Apesar de alguns dos estudos incluídos na meta-analise apresentarem um número reduzido de casos, os resultados apontam para um claro benefício (15-71%) desta avaliação.

Por Teresa Carraca |  Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia – Centro de Diagnóstico Pré-Natal do Centro Hospitalar Universitário de S. João

 

A gravidez gemelar monocoriónica mantém-se um desafio para a Obstetrícia, uma vez que se associa, com alguma frequência, a complicações e desfechos perinatais adversos.

A restrição de crescimento seletiva complica cerca de 10% das gravidezes monocoriónicas. É dividida em três tipos de acordo com o padrão de fluxo na artéria umbilical do feto mais pequeno.
A restrição de crescimento seletiva tipo III, é responsável por cerca de 5% das restrições, e é caracterizada por um fluxo intermitentemente ausente ou invertido na artéria umbilical.

Neste artigo os autores pretendem identificar os fatores associados com a morte de um ou ambos os fetos numa coorte de gravidezes complicados por restrição seletiva tipo III, de forma a criar um algoritmo de orientação pré-natal.

Este é estudo coorte retrospetivo multicêntrico que inclui 308 gravidezes com restrição de crescimento seletiva tipo III. Apesar de na análise univariada se terem encontrado parâmetros com significado estatístico – deterioração dos parâmetros Doppler e idade gestacional mais precoce na referenciação – , na análise multivariada nenhum dos parâmetros manteve esse significado. Foram identificados 3 grupos de risco, com base na deterioração do Doppler da artéria umbilical: alto, intermédio e baixo. No entanto, a fraca previsibilidade deste modelo não permite melhorar o desfecho destas gestações. De qualquer forma, podem ajudar no aconselhamento do casal com estimativas de risco realistas e individualizadas para as suas gestações.

Por Teresa Loureiro |  Professora Auxiliar Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa,  Assistente Hospitalar Graduada do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, EPE

 

As anomalias do corpo caloso (AC) (agenesia completa e disgenesia) estão associadas a dificuldades intelectuais, académicas, de execução, sociais ou comportamentais em 29-50% das crianças. No entanto, estudos de follow-up mostram que 20-70% das crianças têm um desenvolvimento comparável ao normal. Assim, para melhor aconselhamento pré-natal, é fundamental entender que variáveis são relevantes na distinção destes casos. Vários trabalhos têm identificado causas monogénicas e variações do número de cópias de regiões específicas do DNA (CNVs) em situações de AC. Os autores deste artigo propuseram-se a investigar o interesse da realização do exoma em fetos com anomalias do corpo caloso independentemente da existência de outras anomalias estruturais, mas em casos com cariótipo e microarrays normais, colocando a hipótese de que a sequenciação do exoma poderia ter relevância para definir defeitos moleculares subadjacentes a AC. Na avaliação de 50 trios, em que o feto era citogeneticamente normal e apresentava AC, a proporção de variantes genéticas identificadas foi de 34%. Os autores concluem ainda que na maioria dos casos em que a AC era isolada d com exoma negativo o prognóstico era favorável.

Por Luís Guedes-Martins |  Assistente Hospitalar – Obstetrícia/Ginecologia; Diretor do Centro de Medicina Fetal (Medicina Fetal Porto) – Centro Materno Infantil do Norte (Centro Hospitalar Universitário do Porto); Professor Auxiliar de Obstetrícia – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (Universidade do Porto)

 

Existem dois fenótipos ecocardiográficos estruturais conhecidos no contexto do coração esquerdo hipoplásico: (1) estenose aórtica grave (EA), que está associada a um ventrículo esquerdo (VE) com morfologia globular (‘curto e globoso’), disfunção sistólica e crescimento limitado do ventrículo posterior; e (2) hipoplasia grave do coração esquerdo (LHH) associada a um VE “longo e estreito”, com fluxo laminar através das válvulas mitral e aórtica (hipoplásicas) com hipoplasia concomitante do arco aórtico. A análise da literatura acerca deste tópico revela que ambos os fenótipos podem evoluir desfavoravelmente e os progenitores deverão ser informados da provável necessidade de paliação univentricular após o nascimento.

Este é um estudo de coorte retrospectivo, institucional, num período correspondente a 17 anos, cujo objetivo principal foi a análise dos desfechos perinatais de fetos com EA grave ou LHH grave e com pelo menos dois ecocardiogramas fetais realizados.

Foram incluídos 53 fetos. Na coorte AS, havia 20 (38%) fetos e na coorte LHH havia 33 (62%). Os autores verificaram que as estruturas cardíacas do lado esquerdo do coração apresentaram uma taxa de crescimento mais rápida nos fetos com LHH grave do que naqueles com EA grave. Adicionalmente, os Z-score relativos às biometrias esquerdas diminuíram mais lentamente em fetos com LHH grave do que naqueles com EA grave. Os achados corroboraram que a maioria das crianças do grupo LHH não teve necessidade paliação univentricular. Os resultados apresentados pelos autores são relevantes em termos prognósticos e podem ser muito uteis no aconselhamento sobre o potencial de crescimento esperado das válvulas aórtica, mitral e VE, dependendo do fenótipo cardíaco avaliado por ecocardiografia estrutural e funcional, após o nascimento.

As principais limitações deste estudo são o número limitado da amostra e o desenho retrospetivo da investigação. Não obstante, a análise, metodologia e interpretação dos dados são particularmente relevantes e estruturados de forma notável.

Por Maria José Monteiro |  Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia, Hospital de Braga E.P.E

 

Nas últimas décadas tem-se demonstrado uma associação entre eventos maternos adversos e variedades occipito-posteriores (OP) persistentes. Recentemente surgiram os primeiros estudos randomizados (RCT) comparando atitude expectante versus rotação manual, a maioria dos quais reportando uma redução da duração do segundo estadio.

O objetivo principal desta meta-análise, que incluiu 7 RCT e 1402 mulheres, foi avaliar a associação entre parto vaginal espontâneo e a tentativa de rotação manual de OP e occipito-transversas (OT) com atitude expectante. O objetivo secundário foi a avaliação dos outcomes maternos e neonatais.

A rotação manual foi significativamente associada a aumento do parto vaginal espontâneo (RR, 1.09; 95% CI, 1,03-1,16), redução de variedades OP e OT ao nascimento (RR, 0.64; 95% CI, 0,48-0,87) e episiotomia (RR, 0.84; 95% CI, 0,71-0,98). Não existiu associação a parto instrumentado (RR, 0.87; 95% CI, 0,75-1,01), lesão do esfíncter anal (RR, 0.91; 95% CI, 0,41-2,02) ou hemorragia pós-parto (RR, 0.94; 95% CI, 0,59-1,52).  A taxa de parto vaginal espontâneo não teve diferença estatisticamente significativa após estratificação por paridade; em contraste, a técnica usada para a rotação afetou os resultados, com significância borderline na técnica de “whole-hand” quando comparada com a técnica de rotação digital. Nenhum dos outcomes neonatais teve diferença entre os dois grupos.

Os resultados obtidos são consistentes com a literatura existente. No entanto, mais estudos são necessários para confirmar e compreender a implicação dos diferentes fatores confusionais antes de qualquer alteração em guidelines sobre gestão de variedades OP. O risco/beneficio parece favorecer a rotação manual, dado a sua baixa taxa de complicações e possível benefício de evicção de um parto instrumentado, este último, não só associado a complicações, mas também a uma perceção negativa do parto pela mulher. Entre as questões mais relevantes será a indicação para rotação: profilática versus terapêutica.

Por Maria de Carvalho Afonso | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia, Serviço de Obstetricia – Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução – Hospital de Santa Maria – CHLN

 

O estudo ARRIVE em 2018, mostrou que a indução do trabalho de parto (ITP) às 39 semanas, em nulíparas com gestações de baixo risco obstétrico, associava-se a uma diminuição da taxa de cesariana e de complicações hipertensivas da gravidez.  Qual o impacto do estudo ARRIVE nas práticas obstétricas e nos desfechos perinatais nos Estados Unidos da América, em nulíparas com gestações de baixo risco, foi o objectivo do trabalho retrospectivo que apresentamos.

A taxa de ITP das mulheres do grupo pós-ARRIVE foi superior (30,2% vs 36,1%; aOR 1,36 [1,36 -1,37]), mais frequentemente o parto ocorria até às 39 semanas e 6 dias (39,9% vs 42,8%; aOR, 1,14 [1,14-1,15]) e tinham menor probabilidade de ter um parto por cesariana (27,9%vs 27,3%; aOR, 0,94 [0,93-0,94]), quando comparadas com as mulheres no grupo pré-ARRIVE.

Relativamente ao desfechos maternos,  apesar das mulheres no grupo pós-ARRIVE  mais frequentemente necessitarem de realizar suporte transfusional (0,3% vs 0,4%; aOR,1,43 [1,36e1,50]) e serem admitidas em unidade de cuidados intensivos 0,08% vs 0,09%; aOR, 1,20 [1,09-1,30]), estes eventos foram raros.

Os recém-nascidos do grupo pós-ARRIVE mais frequentemente necessitaram de ventilação assistida imediata(2,8% vs 3,5%;aOR, 1,28 [1,26-1,30])  e durante mais de 6 horas (0,5% vs 0,6%; aOR, 1,36 [1,31-1,41]) e mais frequentmente tiveram um índice de Apgar ao 5º minuto < 3 (0,3% vs 0,4%; aOR, 0,91 [0,86-0,95]). Contudo, não houve diferença na taxa de admissão nos cuidados intensivos neonatais, na necessidade de utilização de surfactante e na taxa de convulsão neonatal.

Este estudo enfatiza que ITP às 39 semanas em nulíparas com gestações baixo risco associa-se a menor taxa de cesariana, contudo parece haver um pequeno aumento nos desfechos adversos perinatais. No entanto, os autores não puderam avaliar se este aumento resultou apenas no facto da ITP per si ou se houve algum ou alguns outros factores que levasse a este incremento.

Por Alexandra Miranda | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de Braga e Assistente Convidada da Escola de Medicina da Universidade do Minho

 

A restrição de crescimento fetal é uma condição com inequívoca associação a desfechos perinatais adversos. Não obstante, a relação entre velocidade de crescimento fetal e morbimortalidade perinatal permanece por esclarecer. O presente estudo consistiu numa análise secundária do estudo observacional prospetivo multicêntrico TRUFFLE 2 que incluiu 856 fetos com restrição de crescimento fetal entre as 32+0 e 36+6 semanas de gestação. Definiu-se como objetivo avaliar a relação entre a velocidade de crescimento fetal e sinais de redistribuição do fluxo sanguíneo cerebral fetal e sua associação com o peso à nascença e ocorrência de desfechos perinatais adversos (Apgar ou pH artéria umbilical < 7, necessidade de ressuscitação neonatal, nascimento de nado morto ou morbilidade neurológica, cardiovascular ou sépsis).

Foram registados eventos adversos em 11% dos nascimentos (n=93). A ocorrência de desfechos adversos foi mais frequente entre fetos cujo crescimento, nas três semanas prévias ao parto, foi <100gr/semana (20% vs 9%, p<0.001), independentemente da presença de sinais de redistribuição cerebral. Neste grupo registou-se menor peso e idade gestacional aquando o parto. Em 8% dos fetos registou-se velocidade de crescimento negativa, sugerindo presença de metabolismo catabólico. A velocidade de crescimento fetal foi melhor preditor independente da ocorrência de desfechos adversos comparativamente à estimativa de peso fetal à data da inclusão no estudo. Porém, a análise multivariada que incluiu peso fetal estimado, velocidade de crescimento e rácio umbilico-cerebral (UCR) demonstrou a maior associação com desfechos perinatais adversos (RR 3.3). Como pontos fortes do estudo salienta-se o número de participantes e a inclusão de 33 centros de 10 países europeus. Como limitações destaca-se o erro inter e intra-observador associado à estimativa de peso fetal.

Em conclusão, estes resultados são relevantes por sugerirem que a desaceleração da velocidade de crescimento fetal, mesmo na presença de achados Doppler normais, pode associar-se à ocorrência de maus desfechos perinatais.

Por Telma Almeida | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia – ULSM, Hospital Pedro Hispano, Matosinhos

 

Em maio de 2022, a OMS declarou emergência global para a infeção por vírus monkeypox, documentando a transmissão comunitária entre pessoas que contactaram casos sintomáticos em países não endémicos.

A possibilidade desta infeção na gravidez é de considerar após levantamento das restrições pós-COVID-19 e com abertura das fronteiras. A infeção humana pelo monkeypox vírus acarreta um elevado risco de infeção congénita grave, aborto e aumento da morbi/mortalidade materna.

Neste artigo é proposto um algoritmo de atuação clínica para grávidas com exposição ao vírus e perante a suspeição clínica na grávida que apresente linfadenopatia e rash vesiculo-papular (incluindo a região genital e peri-anal), inclusive as que não têm link epidemiológico.

O diagnóstico confirma-se através de testes de amplificação de DNA ou de PCR para o vírus monkeypox a partir de lesões vesiculares. Aconselha-se concomitantemente a pesquisa de varicela, herpes simplex e sífilis, uma vez que as lesões podem ser semelhantes.

Às grávidas com positividade ao vírus, mas assintomáticas, recomenda-se isolamento domiciliário durante 21 dias, sendo de considerar a vacinação, idealmente entre 4 a 14 dias após a exposição. As sintomáticas, devem ser internadas em centro diferenciado, com monitorização da gravidade clínica (número de lesões), tratamento das lesões, controlo da dor, administração de antibióticos, vacina ou imunoglobulina. A administração de Cidofovir, deve ser considerada apenas nos casos muito críticos (teratogénico).
A monitorização ecográfica fetal é aconselhada, procurando anomalias como hepatomegalia fetal ou hidropsia, devendo esta monitorização também ser feita às grávidas assintomáticas, mas com exposição significativa ao vírus.

A sensibilidade de deteção do vírus no líquido amniótico é desconhecida, embora seja provável que se encontre a partir do momento em que o feto produz urina (18-21 sem).
Considerar a via de parto por cesariana, apenas na presença de lesões genitais.

No parto, recomenda-se determinar a carga viral no cordão umbilical e placenta e teste PCR em amostras do neonato.

Por Inês Nunes | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Materno-Infantil do Norte – CMIN, Centro Hospitalar e Universitário do Porto – CHUPorto.
Professora Auxiliar Convidada do ICBAS – School of Medicine and Biomedical Sciences, Universidade do Porto, Porto

 

Apesar dos avanços na adequada abordagem clínica, a hemorragia pós-parto (HPP) continua a ser um dos principais fatores contributivos para a morbilidade grave e mortalidade materna. Sabe-se que a exposição prolongada à ocitocina durante o trabalho de parto constitui um fator de risco importante para HPP, e que mulheres submetidas a cesariana intraparto quando comparadas com as submetidas a cesarianas electivas necessitam de doses mais elevadas de agentes uterotónicos, profiláticos e terapêuticos.

Neste ensaio randomizado (RCT) foram incluídas grávidas submetidas a cesariana intraparto que receberam aleatoriamente metilergonovina e ocitocina (80) ou placebo e ocitocina (80). As grávidas do grupo metilergonovina necessitaram significativamente menos de agentes uterotónicos adicionais (20% vs 55%, RR 0.3, IC95% 0.2-0.6), apresentando maior probabilidade de tónus uterino satisfatório (80% vs 41%, RR 1.9, IC95% 1.5–2.6), menor incidência de HPP (35% vs 59%, RR 0.6, IC 95% 0.4–0.9), menor perda hemática média (967 mL vs 1,315 mL; diferença média 348, IC 95% 124–572), e menor necessidade de transfusão de CE (5% vs 23%, RR 0.2, IC95% 0.1–0.6).

Os pontos fortes deste estudo são a sua metodologia (RCT) e a utilização de um protocolo de profilaxia de HPP amplamente implementado nos EU, tornando-o aplicável em qualquer instituição americana. As principais limitações residem na definição subjetiva do desfecho primário – no entanto, a avaliação do tónus uterino é um método genericamente utilizado pelos clínicos para avaliar a necessidade de utilização de agentes uterotónicos adicionais. Além disso, a utilização de agentes uterotónicos adicionais não foi ocultado do obstetra responsável pela grávida. Adicionalmente, este estudo apenas utilizou a metilergonovina – de utilização limitada em muitos países e que apresenta inúmeras contra-indicações (nomeadamente, a existência de patologia hipertensiva).

Seria interessante, no futuro, estudar comparativamente outras combinações de fármacos, nomeadamente diferentes prostaglandinas/ ácido tranexâmico em associação à ocitocina, na cesariana intraparto.

Por Elsa Pereira | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia – Hospital da Senhora da Oliveira, Guimarães

 

A gravidez complicada por diabetes está associada com frequência a desfechos perinatais adversos. A prevenção destes últimos envolve o controle glicémico da grávida e a otimização da idade gestacional e via do parto.

A macrossomia fetal é o único marcador ecográfico em que foi estabelecida associação com maior morbimortalidade perinatal, mas o seu valor preditivo positivo é baixo.
Este estudo retrospetivo avaliou, numa coorte de 1044 grávidas com diabetes (87 pré-gestacional e 957 gestacional) e feto único, a relação entre alguns marcadores ecográficos e a ocorrência de desfechos perinatais adversos. Foi realizada ecografia às 20 e 36 semanas e foram excluídas todas as grávidas com fetos com peso estimado inferior ao percentil 10.

Foram registados eventos adversos em 16,7% dos nascimentos (n=174). A macrossomia fetal (OR 1,85; 95% CI 1,21-2,84), a velocidade de crescimento da circunferência abdominal superior ao percentil 90 (OR 1,54; 95% CI 1,02-2,31), o rácio cérebro-placentar inferior ao percentil 5 (OR 1,92; 95% CI 1,21-3,30), mas não o hidrâmnios (OR 1,53; CI 95% 0,79-2,99), foram associados a maior ocorrência de desfechos perinatais adversos. O risco foi substancialmente superior nos fetos macrossómicos com sinais de redistribuição do fluxo sanguíneo cerebral fetal (OR 6,85; 95% CI 2,06-22,78). Não houve diferenças entre o grupo das grávidas com diabetes pré-gestacional e gestacional.
Não ter sido avaliada a relação destes desfechos com o controle glicémico é uma limitação do estudo.

Há muito tempo que se sabe que o doppler fetal (artéria umbilical e artéria cerebral média) é importante na orientação dos fetos com restrição de crescimento tardio. Este estudo enfatiza que este pode também ser importante na avaliação ecográfica dos fetos de grávidas diabéticas (sobretudo macrossómicos) pois ajuda a diagnosticar os fetos em risco e a otimizar a sua orientação.

Por Nuno Clode | Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia e Ginecologia, Serviço de Obstetrícia – Hospital CUF Torres Vedras

 

A hemorragia pós parto (HPP) associada à atonia uterina é uma causa importante de mortalidade e morbilidade maternal. A utilização de suturas uterinas como forma de evitar a histerectomia foi proposta por B-Lynch em 1987 e, em 2005, Alcides Pereira sugeriu uma técnica com aplicação de pontos superficiais à volta do útero.

O propósito do artigo em análise foi o de avaliar o desfecho da técnica de Alcides Pereira na resolução de HPP no que concerne à sua eficácia, morbilidade associada e impacto na fertilidade. O estudo retrospectivo analisou os casos ocorridos centro terciário, todos num cenário de HPP por atonia uterina, num período de 11 anos (2009-2020).
Dos 23 casos analisados, a sutura de AP foi eficaz no controle da HPP em 87% das mulheres e nestas não foi necessário suporte transfusional em 55% nem necessidade de admissão em cuidados intensivos em 80%. Em todas estas mulheres houve um retorno ao padrão menstrual habitual.

São pontos fortes deste trabalho o ser a maior série publicada utilizando a técnica de Alcides Pereira e provirem todos os casos de um mesmo centro hospitalar; mas o facto de ser uma amostra pequena torna difícil uma avaliação precisa dos desfechos obstétricos e na fertilidade futura.

Por Joana Raquel Silva | Assistente Hospitalar – Serviço de Ginecologia e Obstetrícia -Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia /Espinho

 

A indução de parto é um dos procedimentos mais frequentes em Obstetrícia. Para além da avaliação cervical, objetivada pelo índice de Bishop, vários parâmetros ecográficos têm sido propostos para prever o seu sucesso. Assumindo que a espessura do segmento inferior uterino é menor nos casos que terminam em parto vaginal, os autores do artigo pretenderam avaliar a reprodutibilidade dessa avaliação ecográfica antes do início da indução de parto e estabelecer a sua relação com os outcomes após a indução.

Este estudo, prospetivo e de coorte, incluiu 265 grávidas (idade gestacional ≥37 semanas) submetidas a indução de parto por método farmacológico ou mecânico, de acordo com o índice de Bishop e características obstétricas. Em todas, foi efetuada a avaliação ecográfica (transvaginal) da espessura do segmento inferior aquando da admissão. De acordo com os resultados, a cesariana por falha de indução ou trabalho de parto estacionário associou-se às seguintes variáveis: cesariana anterior, peso materno e indice de massa corporal (IMC) elevados, gravidez pós-termo, maior comprimento cervical e espessura do segmento inferior à data da indução. Num modelo de regressão logística, os fatores preditivos independentes de cesariana por esses motivos foram: IMC antes da gravidez, cesariana anterior, parto vaginal anterior, comprimento cervical e espessura do segmento inferior. Esta última medida mostrou-se reprodutível, com elevada concordância inter-observador.

Os autores defendem que um modelo multivariável (com fatores clínicos e ecográficos), que inclua a avaliação do segmento inferior uterino, aumenta significativamente o poder preditivo de cesariana após indução de parto (global e por falha de indução ou trabalho de parto estacionário), sobretudo quando comparado ao índice de Bishop utilizado isoladamente. Considerando a dimensão da amostra, reduzida para avaliar outcomes menos frequentes (como cesariana apenas por falha de indução), será necessária mais investigação neste âmbito para validar o papel desta medida na previsão de sucesso da indução de parto.

Por Sofia Bessa Monteiro | Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia – Serviço de Obstetrícia/ Centro Hospitalar de S João

 

O parto pré-termo é um dos maiores problemas em Saúde Pública, sendo a principal causa de morbimortalidade neonatal. Dada a sua natureza multifactorial, tem sido difícil estabelecer um modelo preditivo eficaz.

O principal objectivo deste estudo retrospectivo de 9298 mulheres submetidas a rastreio de pré-eclâmpsia, foi o de determinar se os marcadores bioquímicos da função placentária, medidos no primeiro trimestre, poderiam ser utilizados como método de rastreio de parto pré-termo espontâneo.
Foram identificados como factores de risco quer para parto pré-termo, quer para rotura prematura de membranas pré-termo (<37 semanas) , a conceção pós-FIV e o parto pré-termo anterior. A hipertensão crónica surgiu como factor de risco para parto pré-termo espontâneo, o que não tinha sido até agora reportado. Os valores médios de PlGF e PAPP-A encontravam-se significativamente reduzidos nas mulheres com rotura prematura de membranas pré-termo e parto pré-termo espontâneo (<37 semanas), comparadas com as mulheres com nascimento a termo.

O modelo preditivo testado, utilizando factores maternos associados aos valores de PAPP-A e PlGF, apresentou melhor desempenho para a deteção de parto pré-termo espontâneo do que os factores maternos isolados (taxa de deteção 27.3% e 14.8%, respectivamente, com IC 95% para uma taxa fixa de 10% falsos positivos).

Apesar de ser um estudo produzido a partir duma coorte alargada, que veio reforçar resultados prévios que sugerem um papel da insuficiência placentária não só no parto pré-termo iatrogénico, mas também no parto e rotura prematura de membranas pré-termo espontâneos, este modelo apresenta uma eficácia de rastreio subóptima e não é facilmente perceptível a sua plausabilidade biológica. Por isso, apesar de abrir portas para o desenvolvimento dum modelo de rastreio precoce utilizando biomarcadores de função placentária, obriga a investigação adicional antes de poder ser equacionado para a prática clínica.

Por Jorge Lima | Coordenador do Centro de Alto Risco Obstétrico do Hospital da Luz Lisboa, Professor Auxiliar Convidado e Investigador do Comprehensive Health Research Centre da NOVA Medical School

 

A colestase intra-hepática da gravidez (CIHG) é a patologia hepática mais frequente associada à gravidez e é caracterizada por prurido e aumento das concentrações séricas de ácidos biliares. Embora a CIHG represente pouco risco para a grávida, pode estar associada a complicações fetais, tais como a prematuridade, e em casos graves, a morte fetal. Não existe consenso relativamente aos critérios de diagnóstico de CIHG, sobretudo relativamente aos valores de referência laboratoriais de ácidos biliares, sendo os 10 micromol/L o limiar utilizado na prática clínica, apesar da ausência de evidência científica para tal. O diagnóstico correto de CIHG é essencial pois tem sérias implicações para a saúde materna, fetal e neonatal.

O objetivo deste estudo prospetivo, que englobou 612 grávidas saudáveis, foi investigar os valores de ácidos biliares totais, em jejum e pós prandial, de forma a estabelecer o padrão de referência na gravidez normal. Os intervalos de referência obtidos para os ácidos biliares totais foram de 4,4-14,1 micromol/L em jejum e de 4,7-20,2 micromol/L pós prandial.
Este estudo vem demonstrar que na gravidez normal os ácidos biliares podem estar aumentados e por isso para o diagnóstico de CIHG serão necessário valores mais elevados deste metabolito sérico. Os autores do estudo recomendam, como o doseamento em jejum é mais específico para o diagnóstico e a determinação pós prandial essencial para a avaliação da gravidade, que a avaliação laboratorial de ambos os valores seja sempre efetuada.

Como limitações do estudo destaca-se a baixa diversidade étnica e o facto de as pacientes incluídas serem de uma única instituição. Como aspetos positivos salienta-se o desenho do estudo, o rigor na seleção das pacientes elegíveis, a dimensão da amostra e a relevância clínica dos resultados que irá no futuro ter implicações nos protocolos de abordagem desta patologia obstétrica.

Por Cecília Marques | Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia; Hospital de Braga, EPE

 

Os distúrbios hipertensivos da gravidez são uma das principais causas de morbimortalidade materna e perinatal. Tradicionalmente, uma atitude expectante entre as 34+0 e as 36+6 semanas tem sido adotada nas situações de pré-eclâmpsia sem critérios de gravidade.

Esta é uma meta-análise com base em dados de doentes individuais que incluiu 1790 participantes de 6 estudos randomizados nos quais se comparou a programação do parto e a atitude expectante nas situações de pré-eclâmpsia após as 34 semanas.

O parto programado a partir das 34+0 diminuiu, significativamente, o risco de morbilidade materna [2,6% vs 4,4%; adjusted risk ratio (aRR), 0,59; IC 95%, 0,36 – 0,98; p=0,041]. Em relação à morbilidade perinatal, verificou-se um aumento da mesma (20,9% vs 17,1%; aRR 1,22; IC 95% 1,01 – 1,47; p=0,04), nomeadamente da síndrome de dificuldade respiratória (SDR) e do número de internamentos na Unidade de Cuidados Intensivos de Neonatologia. O aumento da SDR notou-se, principalmente, em estudos mais antigos nos quais não foi realizado ciclo de maturação pulmonar. Não foram encontradas diferenças na taxa de parto vaginal entre os dois grupos. O número de fetos pequenos para a idade gestacional foi menor no grupo do parto programado. Verificou-se ainda uma diferença de cerca de 3 dias entre o parto programado e a atitude expectante, com 74% dos casos a evoluírem para pré-eclâmpsia com critérios de gravidade.

Os pontos fortes deste estudo são a metodologia, o número de participantes e a inclusão de ensaios clínicos randomizados com baixo risco de viés. Apresenta como principal limitação as alterações na prática clínica no decorrer de 20 anos.

Em conclusão, a programação do parto nas situações de pré-eclâmpsia após as 34 semanas parece estar associada a menor morbilidade materna e menor taxa de fetos pequenos para a idade gestacional, com um possível aumento da morbilidade respiratória neonatal.

Por Luísa Pinto | Assistente Hospitalar Graduada Sénior de Obstetrícia e Ginecologia – Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte

 

Basicamente, todas as grávidas com placenta prévia/baixamente inserida (PBI) no 3º trimestre, eram submetidas a cesariana eletiva. Literatura recente tem levantado a hipótese de oferecer, a grávidas com PBI, a possibilidade de um parto vaginal.

O objetivo deste estudo retrospetivo multicêntrico foi comparar desfechos entre mulheres com PBI, de acordo com a via de parto programada e com a distância da placenta ao orifício interno (OI) do colo. Incluíram-se 70 grávidas com PBI após as 35 semanas – Grupo1 (40,9%) – prova de trabalho de parto, Grupo2 (59,1 % ) – cesariana eletiva.
O desfecho primário foi a hemorragia pós-parto (HPP) grave – > 1000ml nas 24 horas após o parto – e os secundários, desfechos compostos de variáveis de morbilidade materna e neonatal graves.

A taxa de HPP grave não apresentou diferença com significado estatístico entre os grupos – grupo 1, 22,9% (95% CI 13.7–34.4) e grupo 2, 23% (95% CI 15.2–32.5) (p=0,9) mesmo utilizando regressão logística multivariada e “propensity scores” para idade materna, IMC, paridade, cesariana prévia, hemorragia anteparto e distância placenta-OI do colo. Os desfechos maternos ou neonatais não apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
O parto vaginal ocorreu em 50% nas grávidas com PBI a 11-20mm do OI e em 18,5% de grávidas com PBI a 1-10mm do OI; a taxa de cesariana emergente foi de 27.0% e 50.0% (p =.06) respetivamente.

Estes resultados corroboram achados de estudos anteriores com muitas reservas metodológicas.
Apesar de ser retrospetivo tem como pontos fortes: dimensão da amostra, desenho do estudo e metodologia estatística para controlo de variáveis confundidoras.
Estes resultados suportam a recomendação de algumas sociedades de considerar, através de decisão partilhada, uma tentativa de parto vaginal em mulheres com PBI, sobretudo quando a distância ao OI do colo se situa entre 11 e 20 mm.

Por Luisa Martins | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital CUF Descobertas

 

A infeção por SARS-CoV-2 continua a ser uma ameaça, apesar da clínica ser menos grave. A grávida apresenta um risco acrescido para as complicações associada à infeção e a vacinação é recomendada por muitas sociedades científicas, no entanto a aceitação pela população é baixa.

Trata-se de um estudo, prospetivo, com 228 parturiente, realizado em Israel entre Maio e Outubro 2021, com o objetivo de determinar a variação dos níveis de anticorpos anti-SARS-CoV-2 (Ac.) após a infeção durante a gravidez e caracterizar o efeito de uma única dose de reforço pós-infeção com a vacina Pfizer BNT162b2 mRNA.
O grupo de grávidas com história confirmada de SARS-CoV-2 antes ou durante a gravidez (n=64) foi comparado com 3 grupo selecionados dependendo do tempo de exposição: parturientes convalescentes sem reforço (n=54); parturientes convalescentes com uma dose de reforço (n=60); parturientes nunca infetadas, com 2 doses da vacina (n=14).
A determinação de Ac. no soro de parturientes e no cordão umbilical foi realizada momento do parto e 6 a 13 semanas pós-parto.

Os resultados demonstraram um declínio significativo dos níveis de Ac. desde a infeção até o parto (r=0,4371; p=0,0003). Das gravidas infetadas no primeiro trimestre 34,6% (9/26) testaram negativo no parto, comparando com 9,1% (3/33) das infetadas no segundo trimestre (p=0.023). Os níveis de Ac. foram significativamente mais altos entre as gravidas convalescentes com reforço da vacina comparando com as gravidas convalescentes sem reforço (17,6 vezes; p <0,001) e parturientes nunca infetadas e vacinadas (3,2 vezes; p <0,001). Padrões semelhantes foram observados no sangue do cordão umbilical. Verificou-se um declínio gradual nos níveis de Ac após a infeção.

Como pontos fortes: estudo prospetivo, bem desenhado com metodologia rigorosa. Como limitações: amostra pequena, não foi avaliada o tempo entre a vacinação e a seroproteção neonatal, não houve um acompanhamento dos recém-nascidos a longo prazo.

Por Cristina Godinho | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar V N Gaia

 

Este estudo reforça a importância do diagnóstico ecográfico de anomalias estruturais no primeiro trimestre de gravidez. Estes autores holandeses sublinham a relevância do rastreio ecográfico entre as 11 e 14 semanas, mesmo após a introdução generalizada do rastreio de aneuploidias mais frequentes por DNA fetal livre (cfDNA) no sangue materno, no seu país.

Desde 2007 o rastreio combinado no 1º trimestre e ecografia morfológica no 2º trimestre fazem parte do rastreio pré-natal na Holanda. A introdução em 2017 do rastreio de aneuploidias através de cfDNA levou à diminuição drástica da realização do rastreio combinado e consequentemente do exame ecográfico realizado entre as 11 e 14 semanas. No seu lugar maioritariamente, o rastreio passou a incluir uma ecografia de datação entre as 10 e 11 semanas associada a cfDNA e ecografia morfológica entre as 18 e 20 semanas.

Este estudo demonstra que protelar para o 2º trimestre a primeira avaliação morfológica fetal atrasa o diagnóstico de anomalias “sempre ou potencialmente diagnosticáveis” no 1º trimestre. À semelhança de outros estudos, os autores referem que cerca de metade das anomalias morfológicas detectadas no 2º trimestre poderiam ter sido diagnosticadas na ecografia realizada entre as 11 e 14 semanas. É igualmente reforçada a vantagem da realização de interrupção médica de gravidez mais precoce, caso seja equacionada.

Apesar deste estudo refletir uma realidade diferente da portuguesa alerta para a importância do “timing” da avaliação da ecoanatomia no 1º trimestre, a par do rastreio de aneuploidias por cfDNA.

Por Andreia Fonseca | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia, Serviço de Obstetrícia – Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução do Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte

 

O encarceramento uterino ocorre em 1 em cada 3000 gestações e define-se como a retenção do útero entre a sínfise púbica e o promontório. Este artigo é uma chamada de atenção para esta complicação, cujo diagnóstico é dificultado pela sua ocorrência pouco frequente e pela forma inespecífica com que se manifesta.

Este estudo retrospetivo populacional teve como objetivo identificar fatores de risco para encarceramento uterino e estudar a correlação entre este diagnóstico e os desfechos obstétricos e neonatais. Foram incluídas mais de 9 milhões de mulheres, das quais 370 (0,004%) tiveram o diagnóstico de encarceramento uterino.

O encarceramento uterino foi mais frequente em caucasianas, fumadoras, mulheres com cesariana anterior, útero miomatoso, endometriose, massas anexiais, doença tiroideia ou história de doença inflamatória pélvica e aderências pélvicas. As mulheres com encarceramento uterino tiveram mais frequentemente o diagnóstico de placenta prévia (aOR 2,8; IC95% 1,2-6,8). O encarceramento uterino associou-se a maiores taxas de cesariana (aOR 2,4; IC95% 1,8-3,1), hemorragia pós-parto (aOR 2,8; IC95% 1,8-4,4) e necessidade de suporte transfusional (aOR 5,2; OR 3,1-8,8). Os recém-nascidos resultantes destas gestações apresentaram mais frequentemente malformações congénitas (aOR 4,0; IC95% 1,5-10,6). Os autores referem ainda uma maior frequência de hidronefrose materna e de morte fetal, apesar do baixo número absoluto de casos com estes diagnósticos.

O principal ponto forte deste estudo é a dimensão da amostra, que permite reafirmar os fatores de risco já descritos para esta entidade. A seleção de casos e análise dos desfechos apenas com base nos diagnósticos codificados aquando da admissão para o parto e a falta de informação relativa à vigilância da gravidez, redução do encarceramento e da idade gestacional em que terá sido realizada fragilizam a análise.

O encarceramento uterino parece associar-se a piores desfechos obstétricos e neonatais. Os fatores de risco a que se associa podem facilitar a suspeição diagnóstica.

Por Carla Baleiras | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia, Serviço de Obstetrícia – Hospital CUF Descobertas, Lisboa

 

O tipo de parto nas gestações com placenta baixamente inserida – PBI -(distância entre o bordo inferior da placenta e o Orifício Interno- OI- do colo ≤ 2 cm) mantém-se controverso. Existem poucos estudos que avaliem os desfechos perinatais e a realização de estudos controlados e randomizados coloca questões éticas e dificuldade na seleção dos casos.

Este artigo compara a morbilidade materna e neonatal em gestações com PBI de ≥ 35 semanas de acordo com o tipo de parto (prova de trabalho de parto – PTP vs. cesariana eletiva)

Como pontos fortes, destaca-se o facto de ser um estudo coorte multicêntrico em que se comparou um grupo em trabalho de parto (70) com outro submetido a cesariana eletiva (101), usando uma análise de “score” de propensão para garantir que os grupos eram comparáveis, minimizando os fatores de confundimento. O seu desenho retrospetivo e, como os casos foram colhidos entre 2007 e 2012, a evolução das técnicas de imagem e as alterações dos protocolos de trabalho são fatores limitantes na interpretação dos resultados. A baixa ocorrência de morbilidade materna grave nos 2 grupos limita também o significado estatístico.

O estudo evidencia que em cerca de 40% das grávidas com PBI submetidas a PTP, ocorreu um parto vaginal sem maior risco de complicações maternas ou perinatais, nomeadamente a hemorragia pós-parto, quando comparadas com o grupo submetido a cesariana eletiva. Salienta também que se distância ao OI ≤10 mm, não parece existir aumento de incidência de HPP ou morbilidade materna grave, mas que a probabilidade de parto vaginal reduz para 18%; essa probabilidade é de 50% se a distância for > 10mm. Em casos de PBI é importante existir consentimento informado que esclareça a grávida de que a probabilidade de cesariana de emergência (cerca de 80%) aumenta com a diminuição da distância da placenta ao OI do colo.

Por Teresa Bombas | Assistente Graduada de Ginecologia e Obstetrícia, Serviço de Obstetrícia A, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

 

O intervalo de tempo entre gestações (IPI) é o intervalo de tempo do parto à conceção da próxima gravidez. Um IPI curto tem sido associado a resultados adversos da gravidez e recém-nascido, incluindo mortalidade materna e fetal e foi também associado ao parto pré-termo, recém-nascido leve para idade gestacional e a rutura pré-termo de membranas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem uma recomendação para um IPI de pelo menos 24 meses depois de um parto com recém-nascido vivo e 6 meses depois uma perda precoce de gravidez.

Os autores realizaram um estudo de coorte baseado na população sueca utilizando os dados do registo nacional, permitindo o ajustamento das características maternas e da saúde no primeiro nascimento. O estudo incluiu 327.912 mulheres e 655.824 recém-nascidos. IPI foi agrupado em intervalos de seis meses com 24-29 meses.

A morbilidade materna grave afetou cerca de 4,5% de todas mulheres. O menor risco de morbilidade materna grave foi observado num IPI de 6 a 11 meses (0,89, 95% CI 0,84-0,95). A morbilidade materna moderada afetou mais de 12% das mulheres e aumentou com o aumento do IPI. O risco de morbilidade neonatal grave e moderada não foi afetado por IPI curtos e, foi significativamente maior para IPI longos comparados com intervalos de 24-29 meses depois de ajustados as características maternas e resultados do primeiro recém-nascido.

Estes resultados, sobreponíveis aos encontrados noutros países com elevados recursos, tornam assim discutível e recomendação global da OMS.

Em Portugal, a idade média de nascimento ao primeiro filho é de 31 anos e as mulheres são saudáveis e têm acesso a serviços de saúde adequados; assim, talvez seja possível considerar que o IPI seja individualizado, sendo a mulher/ casal a decidir o seu intervalo entre gestações.

Por Mariana Torgal | Assistente Hospital de Ginecologia e Obstetrícia – Unidade de Alto Risco Obstétrico do Hospital CUF Descobertas

 

A lesão obstétrica do esfíncter anal (OASI) é uma temida complicação do parto vaginal e uma preocupação constante em obstetrícia, com atenção crescente na época dos processos médico-legais. Nas últimas décadas tem sido dada maior enfase ao seu diagnóstico, registo e identificação de potenciais fatores de risco. Vários estão bem estabelecidos como primiparidade, 2º estadio prolongado, parto instrumentado, peso ao nascer superior a 4kg, episiotomia mediana e idade materna avançada.

Este estudo apresenta uma revisão da literatura, com o objetivo de avaliar a prevalência de OASI em VBAC em comparação com mulheres primíparas. Incluiu 23 artigos com um total de 3.980.918 partos.

Os resultados mostram o aumento da prevalência de OASI nos partos vaginais com cesariana anterior quando comparada com a prevalência no grupo de partos vaginais em primíparas (8,18% vs 6,59%). No entanto, mulheres com VBAC e que já tiveram um parto vaginal anterior têm uma prevalência menor de OASI.

Os autores reforçam a necessidade de incentivar o VBAC devido à associação inequívoca entre cesarianas subsequentes e aumento da morbilidade materna, necessidade de transfusão, lesão cirúrgica, formação de aderências e histerectomia. No entanto a escolha do tipo de parto após uma cesariana é uma decisão difícil e o aumento do risco de OASI deve ser também considerado. Salientam ainda que seria importante estratificar o risco de OASI para cada mulher de acordo com a indicação para a cesariana anterior, a estimativa de peso fetal e a presença de outros fatores de risco.

Este artigo tem como pontos fortes o tamanho da amostra e a sua diversidade, incluindo estudos de 11 países, permitindo assim que as conclusões sejam mais passíveis de generalização. Mas a heterogeneidade inter-estudo quanto à episiotomia, o parto instrumentado, etc, torna a extrapolação de resultados mais desafiadora, sendo uma das maior limitações desta meta-análise.

Por Marta Sales Moreira | Assistente Hospitalar Ginecologia-Obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário do Porto

 

A gravidez múltipla de triplos acarreta uma morbimortalidade superior comparativamente às gestações gemelares ou unifetais, nomeadamente uma menor idade gestacional e um menor peso ao nascimento. A redução fetal (RF) foi criada para diminuir os desfechos obstétricos adversos associados a estas gestações múltiplas, tendo a frequência deste procedimento aumentado em grande escala nos últimos 30 anos.

O objetivo desta meta análise foi comparar a sobrevivência e os desfechos perinatais das gestações triplas após RF para gestações gemelares vs após redução para gestações unifetais, tendo sido incluídas 2392 gravidezes triplas submetidas a RF. Foram também analisados os outcomes da RF dos triplos, relativamente a uma atitude expectante.

O estudo evidencia que a RF das gestações triplas para gemelares se associa a menor taxa de sobrevivência dos fetos restantes, embora os riscos de perdas gestacionais precoces e de morte neonatal sejam comparáveis aos da RF para gestações unifetais. A redução de triplos para gestações gemelares apresentou menor idade gestacional ao nascimento, maior risco de parto pré-termo às <32 e <34 semanas e menor peso ao nascimento, comparativamente à RF para gestações unifetais. Uma análise de subgrupo revelou que a atitude expectante nas gestações triplas bicoriónicas se associou significativamente a uma menor taxa de nados vivos comparativamente às gestações unifetais resultantes de RF.

A inclusão de estudos apenas de design retrospetivo, a ausência de ajuste para possíveis fatores confundidores (idade materna, método de conceção, fatores de risco para parto pré-termo) e a falta de informação acerca de eventuais testes genéticos prévios à RF são apontados como limitações deste estudo.

Em suma, a decisão de realizar uma RF numa gravidez tripla pode ser muito desafiante e difícil para o casal, sendo que a equipa obstétrica deve conhecer os potenciais riscos e benefícios, e os desfechos perinatais após RF para gestações gemelares/unifetais.

Por Alexandra Matias | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia – Professora Catedrática Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

 

Trata-se de um estudo retrospetivo de 10 anos que avalia gravidezes monocoriónicas complicadas por restrição de crescimento seletiva (RCFs) (definido como peso fetal estimado <P10 e uma diferença de peso fetal >25%) e que pretende avaliar a taxa de defeitos cardíacos congénitos neste subgrupo de gémeos.

Pensa-se que a angioarquitectura particular destas gravidezes afectadas por RCFs poderá influenciar a cardiogénese nos gémeos MC/DA. Verificou-se que a prevalência de cardiopatias congénitas era três vezes superior neste tipo de gravidezes afetadas por RCFs. Anomalias do trato de saída do ventrículo direito foram as únicas encontradas no gémeo maior: a prevalência destas anomalias nos gémeos maiores foi de 3,37% (10/296), 56 vezes maior do que na população geral (0,06%). Nos gémeos mais pequenos, o subtipo mais comum de cardiopatia foi a obstrução ventricular esquerda, representada principalmente por coartação da aorta, com uma prevalência de 1% (3/296) nos gémeos mais pequenos, sendo 34 vezes maior que a da população geral (0,03%).

Os autores sugerem que estudos de injeção placentária seriam fundamentais em estudos futuros para confirmar a hipótese sobre a correlação entre a desigualdade de partilha placentária, grandes anastomoses arterioarteriais e deteção pré-natal de defeitos cardíacos congénitos ou adquiridos em gémeos pequenos e grandes.

Em conclusão, gestações monocoriónicas complicadas por restrição seletiva de crescimento fetal (RCFs) evidenciaram uma taxa mais elevada de defeitos cardíacos congénitos do que gestações MC não complicadas. Gémeos maiores e mais pequenos apresentaram uma prevalência semelhante de cardiopatia congénita, mas subtipos consideravelmente diferentes de anomalias cardíacas, apontando assim para a importância da análise detalhada e atempada do coração fetal neste tipo de gravidezes.

Por Inês Monteiro Rato | Assistente Hospitalar de Ginecologia-Obstetricia – Hospital CUF Torres Vedras

 

Este estudo, realizado nos EUA e que pretendeu avaliar a associação entre a distância residência-maternidade e desfechos maternos e neonatais adversos, desperta a atenção do leitor português dado o panorama atual em Portugal de dificuldade em completar escalas de urgência de Obstetrícia e a possibilidade de encerramento provisório/definitivo de maternidades.

Trata-se de um estudo retrospetivo de coorte em que foram selecionadas gestações ≥ 20 semanas, cujos partos ocorreram no Estado da Pensilvânia entre 2011 e 2015; foram excluídas as transferências inter-hospitalares e distâncias implausíveis. Foi calculada a distância de referência entre a residência da grávida e a maternidade em que ocorreu o parto e avaliados os desfechos maternos e neonatais adversos (transfusão sanguínea, cirurgia não planeada, rutura uterina, histerectomia não planeada, admissão em unidade de cuidados intensivos de adultos ou neonatais (UCI; UCIN).

Foram incluídos 662245 nascimentos e a distância média foi de 11.3Km. A taxa de desfechos neonatais adversos compostos foi de 0.6% e a admissão em UCIN de 8.4%. O aumento da distância à maternidade onde ocorreu o parto esteve significativamente associado ao aumento dos riscos compostos maternos e à admissão em UCIN. As associações persistiram após ajuste para as características da grávida, risco obstétrico, ruralidade e características do bairro habitacional.

Um dos pontos fortes no desenho deste estudo foi o cálculo da distância residência-maternidade ser realizada por rota navegável (ao invés de agregação por áreas ou distâncias no mapa em linha reta).

Este estudo conclui que distâncias mais longas residência-maternidade aumentam o risco de desfechos adversos e, a meu ver, revela a importância de estudos similares serem realizados em Portugal antes de serem tomadas medidas de encerramento de maternidades, sobretudo em áreas descentralizadas.

Por Rui Marques de Carvalho | Assistente-Graduado de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital de Santa Maria/CHULN; Assistente-Convidado da Faculdade de Medicina de Lisboa

 

No estado da arte, a avaliação cardíaca e o rastreio das cardiopatias congénitas assumem primordial importância na ecografia do 2º Trimestre, vulgarmente conhecida como ecografia morfológica.
A cardiopatia congénita representa uma causa principal de mortalidade infantil, com uma incidência de 4-13/1000 nados vivos.

Actualmente, o estudo ecográfico do coração fetal, de rastreio, deverá incluir o plano das 4 cavidades, cruzamento das grandes artérias, 3 vasos e/ou 3 vasos e traqueia. Este artigo vem reforçar a importância destes 2 últimos planos na avaliação cardíaca de rotina, nomeadamente no que diz respeito ao número de vasos, dimensões e alinhamento.

O presente estudo, apesar de retrospectivo, corresponde à maior série actual de diagnóstico pré-natal da veia cava superior esquerda isolada, tendo sido identificados 34 casos de um total de 19968 ecocardiogramas fetais realizados entre 2006 e 2020, num centro terciário, no Reino Unido, correspondendo a uma prevalência de 0,17%.

O diagnóstico pré-natal da veia cava superior esquerda isolada é realizado através da avaliação dos planos dos 3 vasos e/ou 3 vasos e traqueia, baseando-se na visualização de um vaso à esquerda da artéria pulmonar e ausência do habitual vaso à direita da aorta, i.e, veia cava superior (direita). Este diagnóstico, no contexto de um situs solitus, foi um achado benigno isolado (79,4% dos casos), sem que tivessem sido identificados casos de cardiopatia congénita major. Em 11,8% dos casos foram identificadas anomalias cardíacas minor e em 5,8% (2 casos) anomalias extracardíaca e genética.

Não obstante a baixa associação entre a veia cava superior esquerda isolada e cardiopatia, anomalias extracardíaca e genética, esta não é ausente, devendo ser sempre considerada investigação neste contexto.